no pano de mesa azul
escuro, sinal
de aplicado pensar
cai a tarde
arde o sol
no plástico da garrafa
no bojo da esferográfica
solta-se o mar
no pano de mesa azul
escuro, sinal
de aplicado pensar
cai a tarde
arde o sol
no plástico da garrafa
no bojo da esferográfica
solta-se o mar
O amor deu-te corda como a um relógio de ouro gordo.
A parteira bateu-te nos pés, e o teu choro calvo
Ocupou o seu espaço entre os elementos.
Nossas vozes ressoam, ampliando-te a chegada. Nova estátua.
Num museu ventoso, a tua nudez
Tolda a nossa segurança. À tua volta, brancos como paredes.
Já não sou a tua mãe, ao menos
Tanto como a nuvem que destila um espelho para refletir o seu lento
Apagamento à mão do vento.
Toda a noite a tua respiração de traça
Tremula entre as rosas róseas rasas. Acordo para escutar:
Um mar remoto move-se no meu ouvido.
Um choro, e tropeço da cama, vaca obesa, florida
Na camisa de noite vitoriana.
A tua boca abre-se limpa como um gato. O quadrado da janela
Esbranquiça e engole as suas estrelas baças. E agora ensaias
A tua mão-cheia de notas:
As claras vogais sobem como balões.
Quando baixo os braços porque não vale a pena o labor sem o futuro, nem tudo é soberba, mas pode ser um erro crasso da ética do trabalho: não se aplicar no que não funcionará. Pensar em desempenho, função, performance, afinal talvez tenha sido também um deslize de Jakobson em Linguística e Poética. “Reparem aquilo de que me faço”, pode ser uma súmula da sua “função poética”. O que sempre é diferente de “reparem naquilo que eu faço” e salvaguarda a esperança do restauro. Porém, o ato dessa linguagem, tornando-se mais saliente quanto mais inefável a sua matéria, não deixa de ser um truque demasiado próximo da publicidade, como viu o próprio, ao analisar um slogan de campanha presidencial (I like Ike) — ou a paranomásia que numa língua ágil nos vicia em coisas e candidatos, no desejo sem os factos.
Mas hoje, quando fui para um mergulho na fonte fria, por entre a chuva rala, o ar cinzento e o fresco vento, havia um carro parado, adiantando-se, irritante, à seminudez do meu momento. Duas pessoas magras e altas – um rapaz, claramente um jovem, a outra com um capuz que não desvendava o sexo nem a idade – tinham descido o empedrado até às pranchas do lavadouro, as que restam da ideia de este lugar ser uma aldeia.
A do capuz tirava-lhe fotos, tocava no rapaz ao de leve na nuca e atirava-lhe beijos. E eu achei que ele atirava pedras, mas eram bolas de sabão que o vento fazia agachar no raso lago, e as sombras eram como os círculos das pedras, ajustando-se ao transtorno, onde a queda da nascente me banhou quando me decidi a fazê-lo. Ou quando decidi que afinal aquilo era belo. Esteticizarei? direi, antes, foi tocante o mistério que ela – era uma mulher, era uma mãe – me explicaria na mais simples linguagem: o filho tinha autismo, e ela desviara caminho para irem ali
porque era a água nos dias de cinza
e o vento
e o ar de sabão dentro do ar
do firmamento
quase chuva a deslizar
para o charco
o que mais o tranquilizava
à Mariana Branco, que me ensinou
a posição da árvore e outras
espiritualidades a consolidar
Apontadas ao vazio, as nossas rótulas
paralelas a uma linha imaginária
entre os olhos e o longe — há que arredondar
o irracional infinito — mostravas-me
como elevar a zero a coluna, raiz
das dez mil coisas, em que palavras
tombam, espelham, espalham.
Palavras, sobretudo as viperinas
que propagam. Deste-me o talismã
espanando o ar entre nós: Retira
era o que dizias, diluindo injúrias
de brigas vãs num aparar de sílabas
átomos, minutos, num ápice limpos.
Pior era a magia de anular o ácido
da ferida que sempre mais incide
contra nós... morde como formiga.
Disseste-me que nenhuma se deve
— Amiga —matar (por mais pequenino
o crime), que a formiga se põe a andar
com casca bolorenta de citrino
que a língua sarrenta revela o karma
do assassino. Treinaste-me a rodá-la
com a saliva na barriga; que afinal
se ascende, se cede, sem ondas...
de onde (será certo?) esse destino
para que foste cedo, insanamente hirta
tu, que sorrias tão profusa, devolverás
ao céu — ao pó, ao nada (e eu aceito?
e isso prova que venceste a foleirice
da imagem? deste plano?) — tua luz dourada.
no muro ao sol, pedras roídas
somam tempo ao tempo.
O tema, supõe-se, é paralelo
no muro à sombra
no mais sombrio poema
nos bois de cornos apontados
a outros bois, no pastor
cujo bordão é uma enxada:
mas espalha a luz o aço
ao trilho, da cunha à torre
de alta tensão, o firmamento
nem sempre se faz pedra
boi, bordão, ou cunha igual —
busca-se outro elemento
ou novo material, ou o muro
tomba, continua a gente
a quase homonímia
emudecer
e humedecer
ou a antinomia
homo
e nemo
não a
barca
o que cala o mar
a cada grau
re cru
de
s
cer
nau fraga
o espaço
da quilha
à linha
______ d'água
curto desse teu swag
tua esbelta silhueta
o people até se engasga
com a nossa pirueta
nós com os bofes de fora
eles todos upside down
bora pôr o mundo em off
depois outra vez no on
quero ter contigo um date
no teto do mundo a pique
chegas lá com o teu skate
eu tenho patins e bike
se te cansas guio eu
e tu andas à pendura
fazermos slide no céu
é uma mega loucura
mêmo uma cena marada
o clima ‘tá bué da hot
o people lá na bancada
gira todo num virote
bora desligar, my love
bora pôr o mundo em pause
vamos sair e not
not voltar a entrar
Foto de António Carlos Pereira da Costa