Tuesday, December 31, 2019

Terminus

           (em construção, mas propício à estação)

É tempo de ser velho,
De levantar velas:
O deus dos confins,
Que dá orla aos mares,
Apareceu-me na sua ronda fatídica,
E comandou: “Não mais!
Não mais dispares
Teus grandes ramos ávidos, e raiz
Larga a fantasia; chega de inventares;
Cinge o firmamento
Ao diâmetro de uma tenda.
Não podes esbanjar-te nisto ou naquilo,
Há que escolher qual dos dois;
Economiza o rio que vacila
Prezando sempre o Doador;
Deixa os vários e guarda os raros
Aceita os termos atempados,
Ampara a queda com pé avaro;
E, por um bocado,
Faz planos, sorri ainda,
E – se nada novo se gesta –
Amadurece o fruto que resta.
Maldiz, se te apraz, teus pais,
Maus maridos de seus lares,
Que, soprando-te o alento,
Não lograram legar-te
Esse tendão que dantes era grosso,
O bárbaro tutano dos ossos,
E deram-te apenas veias vazas,
Fogo inconstante e rédeas lassas —
Deixaram-te, entre as musas, mudo e mouco,
Entre os gladiadores, paralisado e oco."

Como a ave se aproa à procela
Apresto-me ao vento do tempo,
Dirijo o leme, rizo a vela,
No falho presente sigo a voz de outrora,
“Com mansa lealdade, abole o medo,
Ruma sempre reto e incólume,
Está perto o porto, de merecida rota,
E cada onda a maravilha enrola.”

Sunday, December 15, 2019

Sunday, December 08, 2019

Amantes


sem casa um beco de vento os chama
céus seus a solidão o silêncio o
segredo tremendo que boca de incêndio
os traga
e solta na noite irrestrita vasta

céus seus a inconvenção a demora
o denodo furtado ao mito denso
de que o amor se faz – e é – agora
alegre
trino mútuo sopro recomeço

stacatto em loop ao fio do disco
céus seus o risco o riso o raio aí
acaba
a língua rompida cantando o atrito
veloz tristitia do fruto aberto

selo
a tenra polpa soluçante ao grito
céus seus o sismo a fita telepática
tão impante falta que falo nihil
placet inestimável nu abjeto

belo

ó Paixão rasgo impérvio e lasso
ato
espelhado com colapso sedutor
à escarpa de onde raro em rigor
se morre ou se tanto só no palco

a luz a paga

e cobra
que ávida no tal morro se contrai
morderá sarará escalada dobra
céus seus o susto a vista a vertigem
se se cai

e se resvala céus seus a corda

Monday, December 02, 2019

Compagnon de Route

O comboio-lata em sono-cinza abranda na estação
espanta o bronze das folhas, embarco na hinterland
alemã, salto o carril da história direta ao milagre
da paisagem comparada. O inverno levanta céus
cobre rios de gaze verdes ervas renova seu lume
estarrece

somente pela direita: do lado sinistro o companheiro
tendeu o estore, treliça da manhã, rede mosquiteira
da luz — vaga indefinição que não chega
a ser feia mas me põe sobranceira em guarda:
à sonolência do anódino meu solene desdém a quem
ignora

que “mortos são os que não aprenderam a cair” disse
a jovem debruçada no meu poema entendendo como
queria raspando a taluda na verdade sem rimar
na terminação, cheia de empatia para com as folhas
impreventivas da poesia. Não mais
cantar

Ele veste um blusão, tatuagens inscritas por baixo
há pele, uma origem operária que somos nos arrabaldes.
E o lanche ao lado no estofo: ratos cor de rosa, brancos
doces, densos, de esponja, com sumo de fluorescência
edulcorada, descartável, incompaginável com
ele, dorme

eu meço meu risco e ilusão: na lira das pálpebras
alheias porventura um pantone mais amplo gira
a visão inimaginada... daqui quem sabe a aventura
é irrazoável.


            ICE Hamburgo-Berlim, 29/11/2019

[na cabeça do sonho: do equilíbrio espiritual]

Fui com o meu pai comprar esquadros para suportar o verso das mensagens divinas que se iam exibir pelo natal. Entretanto ligavas; desconsolada de esperança, obrigava-te a repetir três vezes a tua indecisão.

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