eu direi que ela cantava sobre o pobre Herz mit dem Schnee de Marguerite (aha! G. Dee cantava só para mim), um poço fundo (tief) e claro de ingénuo amor, consumado à pressa numa pensão (kleine Hotel), depois degenerado em abuso (bordel) e conduzido à penúria (ohne gelt) — tudo ao sabor altíssono e rouco da voz do grande corpo branco com um caranguejo tatuado ao ombro (ou coração com curvas finas, vértebras picotadas, asas-espinhas): Georgette Dee, seu plexo revérbero
e o cabaré teria a medida certa de Brecht e Dietrich — e ela, inclassificável (weder fisch noch Vogel), mãos espanadoras à Brel, pertinaz pesar à Piaf — alavancado tom, chorrilho com élan — por porte singular se destacando (verve à Camões) — e uma audiência afim, disponível para a emoção e a chacota
nas partes ditas num tom misto de confissão e jogo maroto, em que este meu immer arrastado tateio da língua não me deixou perceber por que todos se sacudiam de riso, limitei-me ao estudo dos gestos, mínimos pestanejos ou um subir de queixo para Terry Truck, parceiro profissional há décadas ao piano e pessoal (leva a empatia ilícita a imaginar) também na cama; aliás, grande parte da assistência mais ou menos queer se deu nalgum momento as mãos em duo ou trio — eu entre um cocktail e um caderno a querer sem poder apertar-te a tua
eu a apontar à frouxa luz palavras que retinha e sabia devia já saber – por exemplo (zum Beispiel), combinações preposicionais cujo sentido não se soma, do tipo vorüber, vê lá tu, das Liebt vorüber não é “amor antes e sobre tudo” mas “transisente”, “volúvel”– o que wirklich, porém, eu queria dann und jetz, porventura ewig, era encostar em ti à mesa os olhos húmidos e vielleicht debaixo dela as pernas como um brinde
conforme via aqueles e presumia estas da assistência – não por tara, mas por causa do pique e da carência de uma diva-magnete cantando fixa e invergável warum ist deine Arsch so wörm (o quê tão quente, eu a anotar e a consultar depois – o rabo), a sua boca tão encarnada elástica, o modo (an deinem Mund) como aos setenta se inclina, vibra as cordas da garganta, a breve barba do seu colo para trás, e abre os dentes como quem traga (an ferne Lande) mosto de um lagar celeste —
a ti, num canto atabafado e rubro (Holstufe) de Berlim, eu digo tenho febre de te comer aqui