Sunday, October 19, 2025

Translatio Imperii


As estradas eram longas e levavam

ou eram compridas e conduziam

The streets were long and led

escreve Rosmarie Waldrop

em A Key into the Language of America

que reincide (300 anos depois

de Roger Williams e da sua recolha

algo fatídica de expressões e costumes

dos Narragansett) e infiltra na estrutura

uma voz de rapariga nascida “do outro

lado” pouco à vontade

com seus sexo e classe entre povoadores

 

para quem nada de nativo é congénito

talvez um enunciado se possa deixar no ar as ruas longas sem uma ponte

mas como ruas longas numa urbe atamancada

ou será aquilo uma crítica sobre a escrita


ausente de esquinas
                            pontas

 

ou uma poeta na coeva cidade de Providence 

“com um nível de nevoeiro denso como sémen” abordando

o começo de um novo mundo 

com as compensações de alguém crente 

mas sem poderes aliando-se com dúvidas 

desfazendo pela mesma moeda sua língua

mãe vaga nuvem a infância dela em Kitzingen a irrupção

do Blitz o tempo logo após a divisão – em que faria de “seis

a sete anões

a neve era branca

e o príncipe na batalha”

 

em Berlin Mitte (num quartil de cidade 

em que histórias apagadas mas nada mortas

clamam pelo tempo presente de dever) 

Elke Erb atreve-se à própria

assimilação com uma madrasta

que nos vem no encalço

não para marcar mas para entretecer

escreve

 

paira em Kastananienalle um “cheiro 

a ratos egocêntricos” repara 


e depois revê um primeiro rascunho 

de A Key feito por Marianne (Oellers de nascença

Frisch por casamento com Max 

com um fraco por pequenas

apesar dos bloqueios)

e no princípio do trabalho risca

alle Strassen waren lang und führten

reescreve

alle Strassen führten lang und ledig

todas as ruas levavam longas e solteiras

uma sugestão que Waldrop sinalizou

a lápis — Prima!

 

mas compridas solteiras conduzindo aonde

por que “autocrática teia de vergonha” 

ou trama (Schmachgespinst) ou nódoa nas carruagens?

pode a arquitetura afinal 

ultrapassar um plano 

andaimar experiências

oscilantes trans-

bordantes vasos entre parentes

e estrangeiros Sinne

podem sentidos

em vez de levados

ser caudais tecidos para traslados

 

escritos nas margens

lambendo o que se está a apagar?


Saturday, October 11, 2025

Aprender alemão com Georgette Dee faz-me ter falta de ti

 



eu direi que ela cantava sobre o pobre Herz mit dem Schnee de Marguerite (aha! G. Dee cantava só para mim), um poço fundo (tief) e claro de ingénuo amor, consumado à pressa numa pensão (klein Hotel), depois degenerado em abuso (bordel) e conduzido à penúria (ohne gelt) — tudo ao sabor altíssono e rouco da voz do grande corpo branco com um caranguejo tatuado ao ombro (ou coração com curvas finas, vértebras picotadas, asas-espinhas): Georgette Dee, seu plexo revérbero

e o cabaré teria a medida certa de Brecht e Dietrich — e ela, inclassificável (weder fisch noch Vogel), mãos espanadoras à Brel, pertinaz pesar à Piaf — alavancado tom, chorrilho com élan — por porte singular se destacando (verve à Camões) — e uma audiência afim, disponível para a emoção e a chacota 

 

nas partes ditas num tom misto de confissão e matreiro gozo, em que este meu immer arrastado tateio da língua não me deixou perceber por que todos se sacudiam de riso, limitei-me ao estudo dos gestos, mínimos pestanejos ou um subir de queixo para Terry Truck, parceiro profissional há décadas ao piano e pessoal (leva a empatia ilícita a imaginar) também na cama; aliás, grande parte da assistência mais ou menos queer se deu nalgum momento as mãos em duo ou trio — eu entre um cocktail e um caderno a querer sem poder apertar-te a tua 

 

eu a apontar à frouxa luz palavras que retinha e sabia devia já saber – por exemplo (zum Beispiel), combinações preposicionais cujo sentido não se soma, do tipo vorüber, vê lá tu, das Liebt vorüber não é “amor antes e sobre tudo” mas “transisente”, “volúvel” o que wirklich, porém, eu queria dann und jetz, porventura ewig, era encostar em ti à mesa os olhos húmidos e vielleicht debaixo dela as pernas como um brinde

 

conforme via aqueles e presumia estas da assistência – não por tara, mas por causa do pique e da carência de uma diva-magnete cantando fixa e invergável warum ist deine Arsch so wörm (o quê tão quente, eu a anotar e a consultar depois – o rabo), a sua boca tão encarnada elástica, o modo (an deinem Mund) como aos setenta se inclina, vibra as cordas da garganta, a breve barba do seu colo para trás, e abre os dentes como quem traga (an ferne Lande) mosto de um lagar celeste — 

 

a ti, num canto atabafado e rubro (Holstufe) de Berlim, eu digo tenho febre de te comer aqui

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