Wednesday, October 07, 2020

Aquém de Homero, a tradução sempre

 é ofício de navegação com cavalete 

à vista, diluídos excessos, deixando

pesos calculados por uma intuição

que se treina: uma cautela estatística

com singularidades, um deve-haver

de transportes entre o do outro e o nosso

uma praxis

 

dum futuro temporário: malabarizar 

os espíritos, revivificar uma fonte 

seca, reanimar barro cuja geração

em grande parte se perdeu, lavor

de homeopatia para um deus menor

e artesanato

 

de exposição permanente à falha, além

do ouvido para murmúrios e fífias

entre discursos escorreitos, pontaria

a uma voz anterior, a fantasia 

de decifrar, espécie de febril loucura

de melhor escutar, ou destapar

a visão antes das imagens, a escritura

ante-idiomas, pré-dilúvio, anúncio 

dentro da brecha, uma ambição megalómana

para tal vocação lateral, sucedânea,

desconfiançada, impura a milhas galácticas

do dito original

 

órfico indecente — esforço manco afinal

que não só desmancha línguas mas rasgos

humanos, alguns génios, face, em especial,

a reservas de hábitos feitos imaginários

e ainda 

 

assim

há que dar-lhe enquadramento profissional

organizado e bem pago como a tantos males

necessários.

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