Quando baixo os braços porque não vale a pena o labor sem o futuro, nem tudo é soberba, mas pode ser um erro crasso da ética do trabalho: não se aplicar no que não funcionará. Pensar em desempenho, função, performance, afinal talvez tenha sido também um deslize de Jakobson em Linguística e Poética. “Reparem aquilo de que me faço”, pode ser uma súmula da sua “função poética”. O que sempre é diferente de “reparem naquilo que eu faço” e salvaguarda a esperança do restauro. Porém, o ato dessa linguagem, tornando-se mais saliente quanto mais inefável a sua matéria, não deixa de ser um truque demasiado próximo da publicidade, como viu o próprio, ao analisar um slogan de campanha presidencial (I like Ike) — ou a paranomásia que numa língua ágil nos vicia em coisas e candidatos, no desejo sem os factos.
Mas hoje, quando fui para um mergulho na fonte fria, por entre a chuva rala, o ar cinzento e o fresco vento, havia um carro parado, adiantando-se, irritante, à seminudez do meu momento. Duas pessoas magras e altas – um rapaz, claramente um jovem, a outra com um capuz que não desvendava o sexo nem a idade – tinham descido o empedrado até às pranchas do lavadouro, as que restam da ideia de este lugar ser uma aldeia.
A do capuz tirava-lhe fotos, tocava no rapaz ao de leve na nuca e atirava-lhe beijos. E eu achei que ele atirava pedras, mas eram bolas de sabão que o vento fazia agachar no raso lago, e as sombras eram como os círculos das pedras, ajustando-se ao transtorno, onde a queda da nascente me banhou quando me decidi a fazê-lo. Ou quando decidi que afinal aquilo era belo. Esteticizarei? direi, antes, foi tocante o mistério que ela – era uma mulher, era uma mãe – me explicaria na mais simples linguagem: o filho tinha autismo, e ela desviara caminho para irem ali
porque era a água nos dias de cinza
e o vento
e o ar de sabão dentro do ar
do firmamento
quase chuva a deslizar
para o charco
o que mais o tranquilizava
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