Wednesday, December 13, 2006
Reincidindo, porque acaba de me chegar às mãos, por Ana Luísa Amaral, aquela que me parece ser a melhor das traduções em português do célebre Lady Lazarus.
LADY LÁZARO
Fi-lo outra vez.
Um ano em cada dez
Eu sou capaz -
Um milagre ambulante, a minha pele
Brilhante como abat-jour nazi,
O pé direito
Um pisa-papéis,
A minha face como um pano fino, sem contornos
Em linho judeu.
Tira o sudário,
Ó meu inimigo.
Aterrorizo? -
O nariz, as órbitas, completa, a dentadura?
O hálito azedo
Esfumar-se-á num dia.
Em breve, muito em breve, a carne
Que a gruta do túmulo comeu
Comigo viverá
E eu, mulher sorridente.
Tenho só trinta anos
E como o gato nove vezes para morrer.
Esta é a Número Três.
Quanto lixo
A destruir por década.
Quantos mil filamentos.
A multidão vulgar e curiosa
Delira ao vê-los
A despirem-me toda -
O grande strip tease.
Minhas senhoras, meus senhores
Eis as minhas mãos
Eis os meus joelhos.
Posso ser pele e osso,
E todavia, sou a mesma, idêntica mulher.
Tinha dez anos quando aconteceu pela primeira vez.
Foi acidente.
Da segunda vez quis
Que durasse e eu nunca mais voltasse.
Fechei-me toda
Como concha do mar.
E eles tiveram que chamar e chamar
E arrancar de mim os vermes, pérolas cravadas.
Morrer
É uma arte, como tudo o resto.
Faço-o excepcionalmente bem.
Faço-o para que saiba a inferno,
Faço-o para que saiba a real.
Podem mesmo dizer que tenho um talento especial.
É fácil fazê-lo numa cela,
É fácil fazê-lo e ficar direita.
É o regresso
Teatral, em plena luz do dia,
Ao mesmo sítio, à mesma cara, ao mesmo grito
Divertido e bruto:
"Milagre!"
Dá cabo de mim.
Há um preço
Para ver as minhas cicatrizes, há um preço
Para ouvir o meu coração -
É que ele bate mesmo!
E há um preço, um preço muito alto
Por uma palavra, ou um toque
Ou um pouco de sangue
Ou um fio do meu cabelo ou um fio da minha roupa.
Vá lá, Herr Doktor.
Vá lá, Herr Inimigo.
Sou a vossa obra de arte,
A vossa peça de maior valor,
O bebé de ouro puro
Que se derrete como um grito.
Viro-me e ardo.
Não penseis que subestimo o vosso interesse.
Cinzas, cinzas -
Atiçais, revolveis.
Carne, osso, nada disso existe -
Um sabonete,
Uma aliança,
Um dente de ouro.
Herr Deus, Herr Lucifer,
Tremei,
Temei.
Das cinzas
Ergo-me, o cabelo em fogo,
E devoro homens como ar.
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