Tuesday, March 28, 2006

Female bonding # 3


para a allegra e a lebredoarrozal (esperando assim ser absolvida de furto de imagologia)

HAVERÁ ALGUM SENTIDO POR FORA DESTE SONHO?

As correias são frouxas
é frágil a bagagem
uma bata infantil
espreita dos caixotes
ela deslaça-me a mão
aflita e dócil
Na orientação dos adultos

eu não consigo partir
São precisos os carimbos
do passaporte as notas
lilases do monopólio:
$339 para começar—
um rigoroso cálculo
a apontar a confusão

As escadas rolantes
são escorregas desencontrados
o elevador encrava
o terminal tem sentidos escondidos
a bateria escangalhada não
dá sinal a menina apita
no embalo na descida

estamos nisto
há várias voltas
Colei as mãos ao volante
a criança desapareceu
agarrada a um biscoito
pelo espelho retrovisor
Apesar dos meus esforços

apesar de saber
que é um pesadelo comum
Ao último minuto
acorda-se Alice
está pronta para a partida
eu tenho a cabeça feita
para a perder

Tuesday, March 21, 2006

Anita no Dia Mundial da Poesia


À atenção do Sr. D e do alfinete, que eu cá não sou antropógina.

ANITA

Branca, franzina, delicada,
tem no olhar a inocência da criança,
que em fofo leitozinho reclinada,
sorrindo sonha, e que a sonhar, descansa.

Mas quando Anita sonha, gentil fada
voa dela ao redor, com asa mansa,
e com pés de cetim sobre a almofada
não faz ruído algum - Quem é? A Esprança.

Mas quando Anita acorda e em redor
ouve só gritos, ais, prantos de dor,
queixoso pranto lhe magoa o olhar.

Cerra de novo as pálpebras mimosas.
Quer ver de novo a Esprança, o Sol, as Rosas.
- fazes bem Dona Anita, é bom sonhar!...

Cascais, Ano trágico de 1914
GOMES LEAL

Tuesday, March 14, 2006

Acho que quando for grande nunca vou conseguir encontrar o caminho para casa.

Sunday, March 12, 2006

Senhora do O

Pois mesmo que não tenha nada a ver, eu aproveito as interjeições finais do poema da Anne à Sylvia para pespegar aqui com um soneto decalcado à noite, a partir do "Sermão de Nossa Senhora do O", do Padre António Vieira em 1640 (estás a ver alfinete, eu faço discriminação positiva de gajos). A pintura, mais uma vez com uma definição que só à lupa, é de Pierre Crouzet sobre foto de Bettina Rheims.



"Faemina circundabit virum."
Jer 31:22

Sendo Ele o objecto do anelo
e o meu colo o sujeito que anelava,
em mim logrou a forma que buscava
e logo anel formou para contê-lo.

E a roda do tempo em mim se trava,
em mim se imprime e grava o eterno selo,
pois todo o meu Amado eu desejava,
estendendo minha pele para acolhê-lo;

Em mim Ele se move e tem repouso
e Ele é o varão, eu a donzela,
e Ele está em mim e eu estou n’Ele

e este é o mistério mais gozoso,
ser Ele a pedra dura que por dentro
circula e mergulha no meu centro.

Tuesday, March 07, 2006

Female Bonding #2


Morte de Sylvia by Anne Sexton

para Sylvia Plath O Sylvia, Sylvia, com uma caixa inoperante das pedras e das colheres, com duas crianças, dos dois meteoros que vagueiam frouxamente em um playroom minúsculo, com sua boca na folha, no roofbeam, no prayer dumb, (Sylvia, Sylvia onde você foi depois que você me escreveu de Devonshire sobre batatas rasing e abelhas se manter?) que você estêve perto, apenas como o fêz para se encontrar para baixo? Ladrão -- como você rastejam em, rastejamento para baixo sozinho na morte eu quis assim mal e para assim que long, a morte que nós dissemos que nós ambos outgrew, essa nós desgastamos em nossos peitos skinny, esse nós falamos de assim frequentemente cada vez que nós tragamos três martinis secos extra em Boston, a morte que falou dos analistas e das curas, a morte que falou como brides com lotes, a morte nós bebemos a, os motriz e a ação quieta? (em Boston o passeio morrendo nos táxis, sim morte outra vez, que montam para casa com nosso menino.) O Sylvia, eu recordo o drummersleepy que bateram em nossos olhos com uma história velha, como nós quisemos o deixamos vir como um sadist ou um fairy de New York para fazer seu trabalho, uma necessidade, uma janela em uma parede ou um crib, e desde essa vez esperou sob nosso coração, nosso armário, e eu v agora que nós o armazenamos acima do ano após o ano, suicides velhos e eu sei na notícia de sua morte um gosto terrível para ele, como o sal, (e mim, mim demasiado. E agora, Sylvia, você outra vez com morte outra vez, que monta para casa com nosso menino.) E eu digo somente com meus braços esticados para fora nesse lugar de pedra, o que sou sua morte mas pertencer velho, uma toupeira que caia fora de um de seus poemas? (amigo de O, quando o bad da lua, e o rei ido, e a rainha na extremidade que da sua sagacidade a mosca da barra ought cantar!) Mãe minúscula de O, você demasiado! Duquesa engraçada de O! Coisa do blonde de O! Sylvia, Sylvia,

Tradução encontrada aqui (por quem, por quê? se for uma máquina é do caneco do poema de Anne Sexton, em 17 de Fevereiro de 1963. A imagem é de uma tal Lulu Fry

Female Bonding #2

A MORTE DE SYLVIA

Sylvia, Sylvia,
com um estojo morto de pedras e colheres,

com dois filhos, dois meteoros
à solta a brincar num quarto estreito

com a tua boca contra o lençol,
contra a trave do tecto, contra a muda prece,

(Sylvia, Sylvia
para onde foste
depois da tua carta
de Devonshire
sobre plantar batatas
e criar abelhas?)

por que causa te ergueste,
e como precisamente te afundaste?

Ladra –
como pudeste esgueirar-te

acocorar-te sozinha
nessa morte que eu queria tanto e há tanto tempo,

a morte que ambas dizíamos ter vencido,
a que guardávamos nos peitos escanzelados,

de que falávamos tantas vezes de cada vez
que emborcávamos três dos mais secos martinis de Boston,

a morte que falava de analistas e de tratamentos,
a morte que falava como noivas entre tramas,

a morte a que bebíamos,
as razões e o gesto taciturno?

(Em Boston
a moribunda
corrida nos táxis,
sim outra vez a morte,
na corrida para casa
com o nosso menino.)

Ó Sylvia, recordo o tamborista sonolento
que tocava nos teus olhos com uma história antiga,

como queríamos deixá-lo vir
como um sádico ou uma fada de Nova Iorque

fazer o seu serviço,
uma necessidade, uma janela numa parede ou num berço,

e desde então ficou à espera,
debaixo do nosso coração, do louceiro,

e vejo agora que o vamos cumulando,
ano após ano, velhas suicidas

e conheço ao saber da tua morte
um terrível gosto disso, como sal,

(E eu,
eu também.
E agora, Sylvia,
tu outra vez
com a morte outra vez,
a correr para casa
com o nosso menino.)

E limito-me a dizer
estendendo os braços para esse lugar de pedra,

o que é a tua morte,
senão uma antiga pertença,

uma verruga caída
de um dos teus poemas?

(Ó amiga,
enquanto a lua é má,
e o rei partiu,
e a rainha treslouca,
que cante o cocktail espumante!)

Ó diminuta mãe,
também tu!
Ó estranha duquesa!
Ó coisa loira!

Anne Sexton, 17 de Fevereiro de 1963
Tradução às três pancadas: a dificuldade está na morte ser masculina em inglês; "o meu menino" ("my boy") é essa morte. Aceitam-se sugestões.
A lua vem a explodir em volta da nossa viagem.

Monday, March 06, 2006

Está-me a crescer uma flor no joelho.

Friday, March 03, 2006

Ela é boa de cuspir / Ela dá pra qualquer um

1. Sei e sinto profundamente que aqueles adolescentes não eram adoráveis, mas que também nunca foram adorados. Que a família os desleixou. Que o Estado os abandonou. Aprovo, exijo, que se façam inquéritos às suas instituições e ambientes de acolhimento, que se discuta longamente sobre o que tem de mudar na educação e protecção de menores de risco em Portugal e em toda a parte.

2. Mas a que Estado pertencia Gisberta? Quem era a sua família? Como foi possível ter-se ela mantido um saco de descarga do pior de nós durante tanto tempo sem reacção (e não reagiu?) sem procurar ajuda (e não procurou?), sem ter a quem recorrer (e não teve?). Auto-imolou-se ou simplesmente se deixou escorregar até ao mais fundo de já não ser humana? Quem vai abrir um inquérito sobre as condições de abandono, ostracismo e violência homofóbica ou racial ou social ou o que seja dos tantos como ela, dos que se deixam ficar de borco deitados em cima dos cartões do nosso lixo, à porta das nossas igrejas? E quem vai mudar de passeio e quem vai ser o (seu) próximo? (Lc. 10; 29 – desculpem o mau jeito, mas ou há moralidade cristã ou comem todos)

Thursday, March 02, 2006

Vetusta Alface

Três anos é obra. Refocilemos com gorgonzola.


querida Sylvia Plath ainda um dia havia de escrever
sobre ti coleccionei-te semelhei-te ou pelo menos conheci
o tipo fisguei-te logo na fotografia de jovem pin-up
provocadora álacre que (se acaso te aludiam
ao que serias na vida) com graça respondias
serei poeta e célebre não quero ser serei
como se dizer fosse já concretizá-lo como
se a promessa dada da palavra não pudesse
reconsiderar. engano.

a procura quotidiana do assombro regulado
por depressões intercalares matinais
despertadores sacudindo o sono o mal
disfarçado prazer da rotina seguido
de aperitivo servido com mordomias de mulher
maravilha fada do lar arguta companheira
e depois tardes inteiras invocando em vão as parcas
economias da poesia
e depois súbitas ganas de violência sanguínea
e depois nada paralisia.

ó a cósmica angústia que grandiloquente
substituías ao comezinho azedume
da fortuna literária dane-se Sylvia
francamente inútil sondar o poço
da promissora adolescente prematuramente
morta.
Impossível recuar Et pourtant dirás
recuamos sempre perseguimos só
os que vão atrás de nós os precursores
que do alto de seu cerúleo areópago
com sentencioso alvitre de poetas laureados
nos cilindram.

Ted
e Ted Ted Ted Ted Ted Ted Ted
o enigma que dizem as más línguas
terá depurado a arte de que serias exímia
até um dia teres deixado de ensaiar
Ted o esposo o amante o pródigo magnânimo
tirano intelectual sentimental necrófago
do afecto,

ou a fatal atracção dos animais que se semelham
quando o laço que caça é o olhar reprovador
do retrato ao espelho

de chofre sem apelo fulminante
de feroz voracidade a Lucidez
lucíssima senhora lázaro
dos passos da poesia pela via dolorosa
Sylvia paralítica da palavra-salto sobres-
salto.

repousa tu que estás eternamente
e viva eu cá na guerra de arco em riste
a poderosa arma esta
palavra-funda que regressa.

Wednesday, March 01, 2006

Ainda que mal pergunte # 2

Eduardo Pitta é, quanto mais não seja pela regularidade com que dialoga connosco, o grande responsável pelo sucesso do blog da literatura. Dispõe, com generosidade, do seu tempo e capacidade de reflexão, para partilhar connosco os seus exercícios críticos num espaço que é, pelo menos teoricamente, de livre acesso e que possibilita réplicas e tréplicas ilimitadas. Enquanto crítico, tem também o mérito de se esforçar pela transparência. Em termos de afinidades electivas, por exemplo, deixa-nos saber, por vários meios, onde se situa e os seus “inner circles”, sem se fechar aos que não são propriamente do seu âmbito, antes mostrando curiosidade para se intersectar com eles. Mais do que isso, o Eduardo Pitta tem uma intervenção cívica com espinha dorsal.
É por isso que estranho a sua última prestação no debate sobre a crítica literária. Pitta levanta a questão da capacidade de inter-relação da crítica literária com o “vasto mundo”. Sugere, nomeadamente, que a recensão e divulgação de obras ensaísticas, como O Choque das Civilizações, de Huntington, deviam ser implementadas a bem de uma reflexão sobre a presente “insânia” da violência à volta dos cartoons de Maomé. Acontece que Pitta é um agente do meio sobre que vem opinar. Dos nossos três suplementos literários mais divulgados, encontro colaborações suas pelo menos em dois. E por que é que ele não pode propor recensões das obras ensaísticas que julga tão imprescindíveis? Porque as suas competências estão delimitadas? Por quem? Afinal, quem são os decisores de como se faz crítica literária em Portugal, e por que parâmetros se regem?

P. S. Para uma desopilação cómica sobre matéria análoga, este post.

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