Monday, November 26, 2012

Com a desgraça não se brinca


a funda dor
Com
funde a dor
.

Perseides



Na serra aliamos as tendas, aquecemos
música. A luz é da tribo, a Grande Pedra
escuta. Somo xamãs foragidos da pele da
Cidade, despidos do Futuro junto ao rio.
Vamos aprender a fabricar-nos alimentos,
esquecer digitalmente o Sucesso, renascer as
mãos na utopia. Neste mundo deus vai dançar. 
                                                Rui Costa



No tecto da noite há o templo
de escutar. Fazemos hinos
ao coração turvo ao
corpo poroso ao húmido vão
à luz nunca única nem tão
doce quanto se imagina e se des-
inclinam vozes assim desce
a palavra som. São ondas
e cordas senhor são tubos grandes
cromos estes adultos que tocam
um hino nacional contra a língua
única e os deuses até e o coro
do alto sem outro remédio
que nós os sem nenhuma arma
e só soluções diluídas de amar
.

Thursday, November 08, 2012

"Silence" de Carlos Bulosan


Eu tinha emudecido de tanto  despertar os dias todos para o comando de outros a falar.
Quando na relva além dos meus vidros foscos apareceu o teu corpo achei que era bom construir com ele a minha língua.
Atrás da minha janela depositei metros de cortinas a combinar com todas as tuas saias
e todas as tuas camisolas.
Será que tomaste sentido alguma vez de chegares de amarelo e eu, no interior, me aconchegar nas tuas roupas do dia anterior?
Será que sabias o que eras, meu sonho americano, em diferido e a cores?
.

Wednesday, October 10, 2012

À sombra de Krishnarmuti



À sombra de Krishnamurti

Alimentados à colher pelos nossos santos, temos andado doentes,
bastante gananciosos e por conveniência sujeitos,
entidades em segunda mão, ocasionais lampejos de alegria e afeição.

Sob tortura, a mente retalhada,
que se furta a toda a confusão e refuta o mundo fora,
achará apenas em conformidade com a sua distorção.

Precisamos realizar que é a nossa imperfeita conflitualidade
que torna as relações em ressentimento, perceber que toda a história do homem
se inscreve em nós, e morrer para o que foi ontem;
perceber, não intelectual mas actualmente,
que só abdicando da respeitabilidade, nesta vida competitiva,
podemos suspeitar da infinita realidade desmedida.

Disseram-nos que todos os caminhos –  Cristianismo, Islamismo, Taoísmo, prática existencial da virtude –
conduzem à verdade e se encontram a uma mesma porta;
algo que, submetido ao teste da observação, é obviamente absurdo,
além de que não se pode olhar através de um ecrã de palavras.

Pelo que, não obstante a higiene do preceito
de não deixar passar nenhum dia sem linha,
não nos podemos fiar de que a escritura nos cura.
Mais importante do que o traço será a abertura,
o furo ou o recorte por onde se entra e verte e vem,
e o têxtil não tem de ser inconsútil nem
a urna bem lavrada, e a bailarina desmancha
os véus e a rasgadura denuncia a usura da memória.

A pergunta que nos colocamos é séria: há alguma coisa que se
possa fazer?
Tens olhos: ninguém tem de te dizer para ver.

Podemos então, tu e eu, após noite inteira de chuva
e desenrolada no céu a manhã livre de impureza
como se fosse a primeira, abrir,
sem qualquer convicção exterior ou temor de castigo,
a intensa revolução: a verdade sem a certeza vive-se
de vária maneira, é a beleza, um espírito
leve sem temor pode amar imenso,

havendo o amor faz-se o que se queira
.

Monday, July 16, 2012

Não é um o começo,

isso foi mal contado, é preciso
mais, de doloroso interior
a quem atroe o espanto dum rumor
de se calhar fundar um estado liso

e disponível. Não houve um verbo, antes
conversa aflita, disputada rota
de intersecta órbita, der-rota,
curso d’além aqui sem plano e, entre

mais, nós, redes rombas de sentido
rebentando deslaçantes, as pontas
plo ar para tecer melhor tecido

para ser corpos novos nossos mais
em arco ou concha ou cacho ou fortes,
alavancas d’amor, reiniciais
.

Wednesday, April 25, 2012

Tuesday, April 17, 2012

Melides - aluga-se férias casa / Melides house for holiday rental

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Sunday, March 25, 2012

Não levaste pedras e eu duro


Embora distes mais da minha margem
com esta multidão de luzes no céu camponês,
não te penso nem busco menos, ou porque
planto jasmim e semeio bagas e carrego terra
numa pá desde a ribeira ao quintal, vingam
coisas que vivem. Disseste que virias mas
aqui o ano passou sem notícias, fiz
um voto por ti, atirei pela janela o resto
do espumante para os lábios remetentes.
Propuseste também fazermos um pacto
de azeite numa lua ou lagar em sangue, não
lembro bem, era natural distorcias as figuras
sentimentais, comentei até essa conversa
em que não vi nenhum fim especial
e apenas me deixou alegre pois virias eu
estava talvez não tão atenta mas foi bom
sendo incerto o que aconteceria a seguir
– e mil vezes aceitar, mesmo que contrário
ao investimento posto na ideia de amigo
ou até algo mais afim ao outro lado da alma,
avesso ainda assim à perda que é ficar
só com este real irremediável – tu nem 
remetente deixaste para uma chave
que não tinhas outro sítio onde enfiar,
mas nos olhos ou ao ombro uma banda
negra e escutavas um silvo apertado e seria
eufórico ou sobrenatural no fulgor de um
tímpano a perder de riso o rio, mas não
vale encobrir tantas vezes a morte
de muitas palavras, e afinal tu crês,
o que há além do superficial talvez seja
mais que fundo, mas só fundo repito é
onde estão os que ficámos e eu não sei
que tempos, porque não chove, demora,
com as cheias, a tranquila ascensão outra vez.
Queria pedir-te, como antes fazias e eu
vinha, uma visita em duas linhas neste estilo:
não se está mal mas não corre como eu queria,
se cá estivesses sempre parecia mais normal
.

Friday, March 02, 2012

Turva se faz não raro a graça ínfima,

nem sempre é garantido que não trema
na funâmbula corda que mantenho
entre a pulsão e o amor; se tenho
querido voltar para cima o poema,

estendê-lo ao ar e vibrá-lo tenso
e respirar em luz – sem que prescinda
da sombra e do chão do mar ainda
da onda que me lava em banho denso –

vejo que não resolvo toda a dó
de mim; lá lindo é, isto, mas preciso
– tanto – a temperatura de um homem

nos ocos que de frio me consomem;
porém mais vezes claro solto o riso
dou o melhor e quanto posso só
.

ar

na sua falta se cobra o mais alto
preço de querer ser livre
sem deixar de agradar
.

Wednesday, February 08, 2012

aquário

sou descendente de vikings, dos que iam
até newfoundland à pesca, foram eles que
começaram a estender os bacalhaus no convés
dos barcos, a secar. depois espetavam as
espinhas uns nos outros. eram tipos bons e
maus, e perto dos quarenta anos arrependiam-se
e afundavam os pés na terra, visitavam a mãe.
a mãe ainda estava lá, a remexer ovos no ar.



Rui Costa
Fev. 2009
.

Friday, February 03, 2012

Comparação

do olho à boca
corre natural a lágrima
como o beijo
.

Thursday, February 02, 2012

Sendo mais que palavras na cabeça

agora que penso claro que
nos atraíria a tal
admiração da dança:
o corpo em formidável equilíbrio
de desejar - e o tosco desajeito
em achar o eixo total
da matéria em ar

no meu sonho eras a dactilografia
da enumeração dos elementos
e o eco das tenazes de tinta
e ainda que eu cuide do que
sinta sempre queria saber
como é

banzé. revolução
não estás zangado
pois não
estás a dançar
iê-
-iê.
__

Thursday, January 19, 2012

Calmeirão cabeçudo, por tudo


Começou com um sinal ao lado dos teus óculos escuros, Não,
o princípio foi um rebordo à noite onde quiseste ensinar-me
a soletração de versos, Não, reinicio: o pequeno almoço
num café pequeno numa rua comprida com pernas para o mar
e dom rodrigos enxovalhos de lustro postos à mesa, Não
há-de ter sido só quando esticámos as mãos e elas escorregaram
e nos encostámos aos peitos os dois chocalhavam tu riste-te eu
fiz-me de parva, Se calhar foi aí porque escrevemos sobre isso
entendendo cada um à sua maneira como sempre se
fez, Eu adverti logo aliás não tinha nenhuma esperança
que viéssemos a coincidir alguma vez e tu achaste claro
muito bem feito porque assim queríamos constantemente
aprofundarmo-nos sempre aos apalpões a ver onde derretia
quando lá no fundo doía não encaixarmos perfeita
mente, Só que sim é um privilégio acontece menos
vezes do que os dedos encontrarmos alguém
a quem queiramos continuar a bater como
disseste que me fazias a vida toda quando apertaste por
baixo dos meus braços a resistência dos materiais, E há-de
ter sido gentileza não justificares apesar do orgulho
de cumprir proezas não contamos os princípios nem os fins

fico pois à espera que apareças atrás de um sms com uma tarte
de maçã encostada ao focinho, Que não te cansa o jogo de fazeres
todos os gestos importantes entre portas para depois te pores ao 
fresco como se nada fosse e largas daqui porque tens um handicap
muito menor e patas maiores e queres ver outros bichos cheios
de perguntas, Por mim punha era o vestido de Espanha para
rodopiarmos aos casais de sucesso entre os bem-pensantes com
licença vou escrever sobre os teus livros todos muitos palavrões
.

Thursday, January 12, 2012

Cumpre que não foste

entender


falar de mar só com a boca afogada



a regularidade assusta

e eu acho isso bonito como o som de ossos na porta



cai alguma coisa

na direcção das minhas mãos e eu corto-as



sinto os cabelos

o ombro morno do coração no ombro



não me fui embora

na praia ao vento tudo o que acontece
 
Rui Costa (Março de 2009)

Tuesday, January 10, 2012

Segundo Amor

Segundo Amor

Quando estás só tens as manhãs todas
de organizar o mundo; preciso grito
intenso aqui agora. Lembro-me de ti
já nem tantas vezes assim, lembro
o que fomos à noite o dia desmentiu.
Mas também às vezes especialmente
querendo com isto – o quê – a pele
sempre lisa, o futuro de ocasiões, só,
sim, só lamento o corte, recrimino
algumas unhas de raspão, triste espera,
o que houve rasteiro, o que de alto
me falta, pouco limpos passes da vida
e terna, sinceramente, tua, Guida
.

Saturday, January 07, 2012

Maya Deren



Mas se uma enrola o novelo
a outra destorce a meada.

A que enovela é severa,
a que desmancha treslouca.

Pouco se move a que enrola,
a outra vibra com a boca
mas não se ouve o que fala –
apenas estica e deslaça
o fio que oblíquo se esgarça.

Aquela que mira a que larga,
de hirto rosto tal osso
denso caroço emaranha –
e vai-se tornando mais só
e a outra sempre mais estranha.

Até que resta uma corda –
e a que de riso se embala
toda de mãos espirala
e lavra o ar como ave...

A que é sisuda não fala
volve-se ainda mais grave;

Solta-se a primeira, leve,
flutua como rameira 
as mamas de luz arqueia
e frustra a espera e a teia.

(A outra, do sério semblante,
olha uma inerte cadeira
agora sem ocupante.)
.

Tuesday, January 03, 2012

Democrítica


Mais tempo, admito, gasto a passar mal
por relativo amor e altivez
que a exercer política, e prezo
sobre o consenso o rasgo original,

herança doentia do burguês
de génio, que nega ser geral
o raio que trilhou seu ideal,

e deixa que o isente a lucidez
da rota rigorosa da unidade
além da sua esfera. Mais consola

levantar os óculos à verdade,
suspensa ao clamor mudo lá do fim
da literatura, onde não rola nada
excepto, além das massas, o sublime.

Precário verso, se o gesto
o não redime –
paira só na frouxa linha acima
dos meus ombros
onde ruo assolidária e sem assombros.

Agora, se descerem os médios
à rua e os verdadeiros pobres a gente
atenta e recíproca a encher de pulmões ar
canto atrito resistência e translação,
a derrubar ditas classes consumo e capital,
o cómodo sem afecto, a sôfrega avidez pateta,
e o que a todos sobre os ombros nos carrega,
aí então. além de sublime e ser poeta,
talvez mais do que busque eu dê entrega
.

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