Friday, November 22, 2013

Fim de Acto

 







E na realidade comecei a amar-te
pois nunca ninguém assim me agarrara
enquanto durante o espanto me desprendia
E tu longamente esperavas eu descia
e onde eu estava balançava o teu cheiro
E os teus olhos minhas órbitas e balizas
em negro ardendo na carne branca dada
Tudo suspenso e molhado e amplo ao meio

no espaço do teu peito para onde me atraías
até que desembocava e reapareciam
as dobras e as formas familiares.

Já da última trepa, recapitulando, outra vez,
houve sim oscilação do quarto um sismo de tecto
revoltas partículas nos lugares presumíveis espíritos
assanhados com o reencontro sôfrego dos corpos.
Mas só em alta, íngreme tudo até partires e não
me puxaste, e eu, relevante, não quis admitir
que quiseste que te olhasse para me mentires
.

Sunday, September 08, 2013

Agosto



Agosto, sim, rigoroso Thomas,

é o mais fácil mês para ficar louca;
perdem os corpos pela roupa pouca
com frequência a pele e arde atrás

crudelíssimo o sol, isto se estás
há muito insone e sentes seca a boca
enquanto aos outros nus assiste a troca
escura e tátil que a febre satisfaz

e justifica. De resto, as sombras
foram todas tomadas por casais
como deve de ser. E já a mim

sequer a lua ou um leque cobrem.
Não chega amor na noite de chacais
e melgas. Escrever ainda assim
.

Wednesday, May 01, 2013

hoje em particular de novo cinza o céu e nada está nem tu

A tristeza que cobre a falta de sonhos. Às vezes é só, o vir à escrita. E querer falar-te sem saber o que te dizer. Bebíamos uma cachaça, íamos inflamar-nos às igrejas, gritar pelas curvas dos degraus até à beleza dos burgueses. O que nos impedia? Um pequeno sofrimento, dizias. Hoje não sou nada livre, quero-me muito mal por isso. E por esta coisa de ser anjo enrolado em si. Sem a lama do mundo. Colo-me ao que vem escrito nos papéis e nos ecrãs e preciso tanto do essencial. Tem de haver alegria no meio de todos os dias ser arrastada uma vez mais para longe da praia. Ou para a areia que não gozo. Consolo mesmo assim ao reler-te, reparo sempre em novas palavras, como se as lá fosses somando. Que alegria a de Job entre os destroços do cabo do mundo, sem vestuário. Já saberás? Sabe que às vezes ainda sei do coiso, isso, vê lá, que tantas vezes se desfaz quando se declara, mesmo que não possas abraçar-me quando era bom
.

Monday, April 08, 2013

quase nada é pouco

 Transforma o que perdeste lá atrás:
um rosto numa foto desmaiada
como o vazio num coração infantil
ou a brancura aflita onde aluíram
todos os nossos parentes índios.

Preferimos todos uma mãe linda
a bailar nos limites da vida
do que uma mãe boa lá no céu.
Ou não? Quem te diz
que a tua mãe é um pai enfermo
gostaria de ter-te refém.

Se te apontarem, pois, com la muerte
nas ventas, só tens de tentar
qualquer coisa pode ser
que aconteça o único que importa
é possível. Como esta energia
face à troça assassina, um disparo
diminuído pela luz da tua barriga
- acolhendo-te, lugar de onde já sabes
que vieste – sobrevivente e incrível

.

Sunday, April 07, 2013

Saudações Romanas

 


cachos de flores rosa clarinho a crescer sobre campas anãs em latim
e um obelisco com homens de há vários mil anos em serpentina para o céu

algumas paredes todas de heras
uma ponte de pedra sem braços sobre o Tibre
com líquenes e rápidos que lembram as palavras villa di campagna

ruínas com ares condicionados nos andares de cima
e mercados de relíquias reprodutivas - 2 por cinco euros

vicino ao Palatino, um parque eduardo sétimo cheio
de mais uns quantos mortos a despontar da gravilha
e das ondas das ervas. Mas nenhum cão dá por mim

num céu sobretudo azul encrespado de nuvens
a condizer com os anéis grisalhos de certos querubins

chiese por toda a parte - nas abóbadas os humanistas
pintores descobriram a visão 3 D
mistérios, simpósios e aparições em
frescos de tintas manuais, antecipam a ilusão mecânica
do cinerama. Maria guardava todas estas coisas
em seu coração; eu sou turista, tenho uma objetiva
de auto-focagem e os rolos não se revelam mais
.

Monday, March 25, 2013

Louvor e valor da manhã

É que chega sempre tarde, disseste,
o verso. Mas olha, a melancolia
que colocaste à mesa da poesia
talvez seja só ideia que o Oeste,

com seu crepúsculo, ronronou
de Harold Bloom, que leu o Bartleby
certamente, mas também Emerson:
for we never know how soon it will be

too late; esquecendo que no ringue
entre gigantes também coube o prodígio
de, consumadas mortes e erros do espírito,
se crer: my business is with the living.

Custará tanto buscar da América
a noção de que sempre se repete
a aurora? e apresentar-se o poeta
a esse céu da noite em planisfério

que ao astrónomo amador, sem spleen,
cabe no chão do dia religar?
E que a poesia, se tem de recordar,
será do amor que não se redime

nunca da gana absurda de o fazer.
E de um incrível viço de erva
que sim, que frágil – que nítida – ferve
nos nossos olhos ao alvorecer.

Thursday, January 10, 2013

Desponta em Janeiro a manhã na Ponte Vasco da Gama




E os monstros da cidade sossegados da insónia
até às tantas não veem raiar prateadamente
o rio à luz. Que por isso nos pode acolchoar e
colore os abstractos e nodosos cordões das algas.
Nos arrozais resvalam garças brancas. E homens pretos
com frontais de miniatura à cabeça, consolados
pela borracha húmida, recolhem para o balde
bivalves e demais corredias criaturas e o mal
que fazem não estraga o único bem que sabem
.

Saturday, January 05, 2013


para quem não quis saber de 2013
                                   
e se me habituei a ripar mortos
frente à escrita, como só neste século,
brancos quadrados, o halo na tela,
baixas janelas, postiços confortos

do scroll que animo com dedo absorto––
cobarde; admito, vá, sois duros
de calcar, e o wi-fi é todo um futuro
de distrações sem vós, toda uma corte

de engates a um toque; logo, clico
na acédia do social; mas porque
escolho ter no limbo os vossos nicks?

bem lo sabeis, absurdo mastermind,
que
sois rivais do desespero, ícones
que furto ao lixo pelo atalho find 
.

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