Wednesday, January 13, 2016

Avô Amaro


Quando o homem pisou a lua no café do meu avô

eu não estava lá [escrevi sobre isto antes por outra

causa mas (montagem, conspiração, solas ufanas de improváveis

galochas de lustro astronómico arrastando um pé retocado

pelo ângulo do vento bafejando ouro azul rubro e branco

e pura Americana forever) nem sempre há-de ser o mesmo

poema; neste o tema serve o desenho de quem era o meu avô:

ele tinha um café e um televisor ainda raro na altura, caixa

cúbica que todos convocou em torno ao espaço, só eu não;

eu era ainda para nascer e por isso lamento quando chegou

o primeiro homem à lua eu não estava lá] em Vendas Novas



e o café ficava em frente ao quartel e os mancebos

treinavam para ir matar no ultramar por causa do senhor

que julgava ainda governar Portugal mas também não esteve

lá e se calhar nem viu nada se calhar nem ouviu se calhar

nem deu por nada mesmo supondo um rouco transístor

seguro pela débil mão junto ao débil coração o enfermo

na cadeira de onde já tinha caído sem ter percebido

nada desconhecendo os mancebos e estes em paga

ignorando por uma vez tudo dele todos olhos e reparo

todos postos no futuro todos sôfregos na respiração

de Neil Amrstrong lá longe na lua na televisão do Amaro



preto no branco o dominó em tampo de mármore em câmara

lenta derrubado passado tempo guerra regime ó leve coração

efémero o meu avô no meio do café a serradura era neve

de botas cardadas na lua que ele limpou quando voltou

a tropa ao quartel de fantasia em forma ele só atencioso

ele desperto afã de cuidar de varrer como sempre fazia

ele pepitas semi-acesas eram estrelas fabulosas da alegria

eu não estava lá nem estive quando anos após (eu tinha

dezoito) o coração dele parou eu soube como um soco

a primeira vez que alguém morria a lua não tremeu não se via

o meu avô pela sua fé sem qualquer tecnologia tornou ao céu



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