Friday, December 28, 2007

Coping

Ficar quieta é técnica que já
aplico com rigor, e no preciso
sítio em que pulsa paraliso
tudo, quem está morto livre está.

Creio que começou quando cedeu
o avô. Alguém disse: afinal
o coração não aguentou. Eu
pensei: mais vale declinar o abalo.

Mas também não cheguei nessa altura
até ao fim. Escangalhei-me na novena
aos degredados filhos de Eva.
Iniciei-me então nos barbitúricos

e hoje passo bem melhor. Às vezes
é um jogo, em que recorro ao coito
antes da apanhada, e se esgoto
essa via, dedico-me à mimese,

diluo-me com os objectos, tudo
me toca mas nada dá por mim, tão
imóvel que me ignora a dor, não
há como acordar um corpo mudo.

Por exemplo agora que não veio
o homem, podia ter-me ferido
ou saído à busca de outro, e perdido;
mas pratico com vantagem a apneia

e a domesticidade. É pena
que me esqueça tanta coisa; foi
sorte saber da lamela – eia, pois,
advogada nossa – dormir serena.

2 comments:

Rui Manuel Amaral said...

Excelente, excelente.

dora said...

( e depois, outra vez silêncio... )

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