Monday, February 19, 2018

Um castelo de Sonetos (XIII)


Só húmido feltro rude mas justo —
proeza razoável face a outros
tristes coitos onde se esquiva a boca
ao corpo, onde se esconde o susto

se finge um pouco, se busca consolo
e se sai oco e desfalcado após
o grito. Ao menos nunca entre nós
sofremos disso, sempre um disse esfola

e o outro quase a bem assassinou.
No fim, o campo todo remexido
e nós dois pistoleiros muito unidos

nós preenchendo um único volume
na desordem, nós caos que atravessou
o fogo, parecendo à peste incólumes.

Sunday, February 04, 2018

Aliciamento

é altruísmo,
complacência
hubris ou satori
logo eu, aceitar
escrever polidamente
versos a perfurar
o nervo do mundo
ter vaidade ou servir
público de todas as idades
(recearei, como Brel,
definhar baladeira
poetèsse pour des gens
finissants
            se o que mais queria ser
            era bela e sacana também
            ao menos uma hora inteira)

sem contar com o pó
que o meu ex me tem
            (corja do chá inglês, acento
            de Oxford, fandango da BBC)

Antes marimbávamo-nos
para a salvação mansinha
tínhamos amor absoluto
e desprezo bruto
tínhamos precipícios
convenção abaixo
e fraternidade acima
— ou disso nos gabávamos
mas nem pestanejaríamos
por seviciar uma galdéria
em nome do assunto sério
            e radical da arte

Avante, como se queria,
e tanto que se balança
num castelo assombrado
por fantasmas desses dias
nossos corpos — não talhados
para os mútuos lançamentos
às jugulares do espírito —
ganhando bafio como frascos
de sofrimento azedo
e espessas películas,
paralisados os braços
pelos pulsos luminosos
da líbido

Houve, sim, igualmente primavera
em nossas vidas paralelas
— traças fugazes
pairamos na ascensão,
lepidópteros, de que faz troça
a luz

Então escolhes os copos
raspando das ressacas
o oleoso rancor
repassando-me a tremura
das asas
            — tive de espalmar
o teu torcido caráter
esfarelá-lo entre páginas
de linhas más
            feias, pequenas.

Então eis-me chegada
a escrever polida
encomenda para a BBC
            — pena de inoxidável
aço, compromisso burocrático,
sem zanga obscena, faca
na ferida, pingo sanguíneo ­—
estipêndio em libras
e mínimo perigo
sem contar
            que cínica

me havias de achar, meu doce
amante hypocrite
devasso leitor
que eu não desdenharia
seviciar


pelo meu verso perfurante.


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