HPV 18 e SARS-CoV-2
para E. M. Silva
Então um dia vais à médica, tu
já sabes, a rotina dos monitores
no diagnóstico da mulher, cuidado
continuado para te ensinar
a submeter – só não esperavas
tão cedo esses achados neoplásicos
anormais, um qualquer contágio
casual, mas de arraigada estirpe
com promíscua aura envolvida –
um espectro punitivo a prazo
extremo – embora chato, de imediato
seja a inibição de foder na maioria
mais consensual das aceções do ato.
Assim, sanitizas a tesão do verso
em favor da saudável nova
virgindade. Falas da política
e do místico élan da tradução, esmiúças
a falha semântica entre fiel e leal
(temes como nunca idade e solidão
temes quanto temos de não
medido, não substituível, datável,
rotundo não planificável, a boca
coses, o mundo reciproca);
fazes do amor livre indelével
teoria, pensas na propriedade
da palavra azeite na parábola
das virgens proscritas, que
o dispersaram, e das premiadas
que armazenaram na noite, pensas
em hímenes e ímanes, na noite
candeias, cadeias no dia, pensas
na cigarra quente, na formiga
fria, nas ideias nacionalistas
dos românticos que restauraram
as fábulas, pensas
na jacobice ocidental, que
mal é condicionar a vida, que
descanso de consciência o bem, pensas
noutras tradições, todas as confissões
contra o excesso, pensas em sexo
e acode a falácia de culpar
a doença no descaso alheio:
o ponto de corte do nexo entre
hábito e biologia – aliás, que seria
da civilização sem a doença?
do salvador sem as virgens, das virgens
sem o útero, da terra
sem emissões, dos extraordinários
sem pobres, et cetera - aliás, que
interessa o sacrifício da poesia
ao protesto ou do verso ao poder
do estável, da imunidade
ao progresso, se isso
tem redenção humana? viável
teste, vacina, planalto
ideal, mas o que intentas
a cada linha horizontal é ver
se te esqueces
como era ter sexo?
não vais longe no que toca
à peste.
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