Friday, June 21, 2024

SOLSTÍCIO

                       Le soleil se mourant jaunâtre à l'horizon !


- Le Ciel est mort. - Vers toi, j'accours !  (Mallarmé, L’Azur)

 

20 de junho de 2024

hoje, no Hemisfério Norte, o dia é mais longo do que qualquer

precedente

 

e a luz lavra e o poema inicia. Mas Mal-

larmé dizia que tudo permeava o verso

que podia ritmar-se a língua par-

tout exceto nos anúncios e na quarta página

dos jornais 

 

hoje, no Guardian, novo recorde da Humanidade:

crescem ainda furos de ouro negro 

à margem de renováveis energias


Mallarmé ardia pelos vocábulos 

areados, mais puros, da tribo

pepitas na navegação de massas—

 

o problema, diz o mensageiro de referência do Reino

Unido, é que a Índia

sozinha, torrou mais carvão do que a Europa

e a América avançada, no mesmo hemisfério, hoje

 

onde mais do que nunca permanece o Sol a ocidente.

 

Mallarmé também escreveu sobre o pálido 

Vasco, a quem preocupava só a viagem ultra-

marina da Índia esplêndida e túrbida

 

e não obstante uma ave mono-

córdica gritaria, inútil jazida

sobre a cana invariável do leme

noite, desespero e pedraria.

 

Suponho que no século XIX a quarta página era a da necrologia

 

quando a Índia não era só, mas parte do Reino

Unido, de onde importou

até 1895

grandes quantidades de carvão

de onde também

se passou a extrair índigo

mais depressa do alcatrão do que da planta

 

O sol amarelando lá longe onde se morre!

 

Extinto é o azul. Eu já te acudo, verso!

Traz, matéria, olvido de erro e ideal cruel...

 

Hoje, britânicos e não 

viajam 

na ave de diesel

para irem praticar o tantra

ao terceiro país mais poluidor do mundo

(primeiro a China, segundo os Estados

Unidos) onde a consciência se dissolve

 

e o corpo não corre para o fim do amor

No comments:

Blog Archive

Contributors