Há ouriços sob o tapete, fogo áspero
picos, folhas fofas no topo aplainado —
Amo a par de ti e tropeço, são soltos
frutos que atiçamos
Há ouriços sob o tapete, fogo áspero
picos, folhas fofas no topo aplainado —
Amo a par de ti e tropeço, são soltos
frutos que atiçamos
delícia Odile
dá-me lídimo
safismo e onanismo
decerto Odile titila-me
ficando aquém a língua, eu sei
a líbido de cerzir com linhas
minhas traduções de Odile
assim, se ela diz, die Zuflucht der Hand
an der Möse, der Möse an der Hand
eu sei, já deslizei de modo
tão semelhante aquela mão
tateando iguais medidas
entre espaço e matéria, abrigo
e humidade, tenra e tesa
a tua pélvis
as minhas nádegas, a tua mão
sobre o meu monte, os teus joelhos
encostados
num poema de há eras
chamado O princípio do escuro
eu sei, ao mesmo tempo, que monte
é uma fraca verve, cobardia
poética para Möse, e desola-me
a falta de um nome de que goste
na minha língua para o meu sexo
a léguas da igualdade com o texto
ou de um calão veemente
eu sei, esse princípio do escuro
é um blackout glossológico
até ao perímetro da cintura
ao ponto de, aliciando-me deveras
levar palavrões na caixa aberta
do poema, não ter ainda achado
até ao presente, provocação
certa, sem o mínimo de pudor
para o que tenho entre pernas
mesmo quando me titila Odile
ao pôr na boca em Manifotzo
todas as formas de os gajos
nos acapacharem com o pior
na sua língua – Fotze! – eu falho
o português é tão macho que até uma cona
para causar estragos
tem de ser do caralho
As estradas eram longas e levavam
ou eram compridas e conduziam
The streets were long and led
escreve Rosmarie Waldrop
em A Key into the Language of America
que reincide (300 anos depois
de Roger Williams e da sua recolha
algo fatídica de expressões e costumes
dos Narragansett) e infiltra na estrutura
uma voz de rapariga nascida “do outro
lado” pouco à vontade
com seus sexo e classe entre povoadores
para quem nada de nativo é congénito
talvez um enunciado se possa deixar no ar as ruas longas sem uma ponte
mas como ruas longas numa urbe atamancada
ou será aquilo uma crítica sobre a escrita
ou uma poeta na coeva cidade de Providence
“com um nível de nevoeiro denso como sémen” abordando
o começo de um novo mundo
com as compensações de alguém crente
mas sem poderes aliando-se com dúvidas
desfazendo pela mesma moeda sua língua
mãe vaga nuvem a infância dela em Kitzingen a irrupção
do Blitz o tempo logo após a divisão – em que faria de “seis
a sete anões
a neve era branca
e o príncipe na batalha”
em Berlin Mitte (num quartil de cidade
em que histórias apagadas mas nada mortas
clamam pelo tempo presente de dever)
Elke Erb atreve-se à própria
assimilação com uma madrasta
que nos vem no encalço
não para marcar mas para entretecer
escreve
paira em Kastananienalle um “cheiro
a ratos egocêntricos” repara
e depois revê um primeiro rascunho
de A Key feito por Marianne (Oellers de nascença
Frisch por casamento com Max
com um fraco por pequenas
apesar dos bloqueios)
e no princípio do trabalho risca
alle Strassen waren lang und führten
reescreve
alle Strassen führten lang und ledig
todas as ruas levavam longas e solteiras
uma sugestão que Waldrop sinalizou
a lápis — Prima!
mas compridas solteiras conduzindo aonde
por que “autocrática teia de vergonha”
ou trama (Schmachgespinst) ou nódoa nas carruagens?
pode a arquitetura afinal
ultrapassar um plano
andaimar experiências
oscilantes trans-
bordantes vasos entre parentes
e estrangeiros Sinne
podem sentidos
em vez de levados
ser caudais tecidos para traslados
escritos nas margens
lambendo o que se está a apagar?
eu direi que ela cantava sobre o pobre Herz mit dem Schnee de Marguerite (aha! G. Dee cantava só para mim), um poço fundo (tief) e claro de ingénuo amor, consumado à pressa numa pensão (klein Hotel), depois degenerado em abuso (bordel) e conduzido à penúria (ohne gelt) — tudo ao sabor altíssono e rouco da voz do grande corpo branco com um caranguejo tatuado ao ombro (ou coração com curvas finas, vértebras picotadas, asas-espinhas): Georgette Dee, seu plexo revérbero
e o cabaré teria a medida certa de Brecht e Dietrich — e ela, inclassificável (weder fisch noch Vogel), mãos espanadoras à Brel, pertinaz pesar à Piaf — alavancado tom, chorrilho com élan — por porte singular se destacando (verve à Camões) — e uma audiência afim, disponível para a emoção e a chacota
nas partes ditas num tom misto de confissão e matreiro gozo, em que este meu immer arrastado tateio da língua não me deixou perceber por que todos se sacudiam de riso, limitei-me ao estudo dos gestos, mínimos pestanejos ou um subir de queixo para Terry Truck, parceiro profissional há décadas ao piano e pessoal (leva a empatia ilícita a imaginar) também na cama; aliás, grande parte da assistência mais ou menos queer se deu nalgum momento as mãos em duo ou trio — eu entre um cocktail e um caderno a querer sem poder apertar-te a tua
eu a apontar à frouxa luz palavras que retinha e sabia devia já saber – por exemplo (zum Beispiel), combinações preposicionais cujo sentido não se soma, do tipo vorüber, vê lá tu, das Liebt vorüber não é “amor antes e sobre tudo” mas “transisente”, “volúvel”– o que wirklich, porém, eu queria dann und jetz, porventura ewig, era encostar em ti à mesa os olhos húmidos e vielleicht debaixo dela as pernas como um brinde
conforme via aqueles e presumia estas da assistência – não por tara, mas por causa do pique e da carência de uma diva-magnete cantando fixa e invergável warum ist deine Arsch so wörm (o quê tão quente, eu a anotar e a consultar depois – o rabo), a sua boca tão encarnada elástica, o modo (an deinem Mund) como aos setenta se inclina, vibra as cordas da garganta, a breve barba do seu colo para trás, e abre os dentes como quem traga (an ferne Lande) mosto de um lagar celeste —
a ti, num canto atabafado e rubro (Holstufe) de Berlim, eu digo tenho febre de te comer aqui
para o Joaquim
Arrancar — diluir ao menos — tudo
quanto ao peito, à lapela, ao pescoço
usámos e incrustámos — nossa pele
o mar ignoto; a cruz esculpida em osso.
Dada a fé de anos verdes que vivemos,
malgrado a cupidez que lhe ia a par,
pudemos por uns tempos ignorar
que numa esfera há história, que sofremos.
Odiámos depois ver-nos ao espelho
bem como a flor, a vela ou a balança
no corpo como em toda a arte pública —
mas, borrando o que não serve e era velho,
emerge à contraluz essa criança
que fomos e enleada nos suplica.
minha solidão é funda construi-a escavando-a
com os punhos pelas camadas do tempo
com a avareza e a renúncia e a escuta do silêncio
depois descasquei-a com as unhas
até me serem por vezes suportáveis
as paredes vivas como a carne e o barro
até o vazio ser visão quase dizível
depois outra vez ser vazio
e por horas não saber que fazer
com o montículo do meu coração
não faço nada com ele sugere-me
um amigo num sussurro de um livro
por sua vez partido entre outros que me fizeram balançar
julgando-me com menos amparo no mundo
eu que comi todas as migalhas para a segunda pessoa
até restar um cu de côdea eu sobre ela com uma perna
a outra incansavelmente no ar
roçada pelos pássaros
e também pelo murmúrio de um coletivo distante por que nutri
uma militância displicente
oh não se iludam o meu coração
é alto e vasto quanto baste
para se circular cá dentro
e bicar às portas igualmente amplas do peito
levo-lhe a mão e a queratina perfura-a
criou as condições ideais para o eco e o gorjeio
o que espero em tradução
não é captura ou passagem de sentidos
embora satisfaça a impressão de fio
busco a lâmina da entrevisão
em que o lido se torna cortina de vidros
cai com brilho de tons
e com barulho nos espanta formar-se algo
como outra língua afinal quase tida
(ou antes a sensação de a termos)
em comum atingida quase lá
a imaginação será prática
como num amor que começa
treinar na cabeça um beijo
a boca real dissonante rude
desejando que aconteça
dois pulsares batendo riscando
num