Saturday, November 22, 2025

Vamos às castanhas no parque ao sol-posto


Há ouriços sob o tapete, fogo áspero

picos, folhas fofas no topo aplainado —

Amo a par de ti e tropeço, são soltos

frutos que atiçamos

Friday, November 07, 2025

como dizer onde nos lamber


delícia Odile

dá-me lídimo 

safismo e onanismo

decerto Odile titila-me

 

ficando aquém a língua, eu sei 

a líbido de cerzir com linhas 

minhas traduções de Odile

 

assim, se ela diz, die Zuflucht der Hand

an der Möse, der Möse an der Hand

eu sei, já deslizei de modo

tão semelhante aquela mão

tateando iguais medidas

entre espaço e matéria, abrigo

e humidade, tenra e tesa

a tua pélvis

as minhas nádegas, a tua mão

sobre o meu monte, os teus joelhos

encostados

num poema de há eras

chamado O princípio do escuro

 

eu sei, ao mesmo tempo, que monte

é uma fraca verve, cobardia

poética para Möse, e desola-me

a falta de um nome de que goste

na minha língua para o meu sexo

a léguas da igualdade com o texto

 

ou de um calão veemente

eu sei, esse princípio do escuro

é um blackout glossológico

até ao perímetro da cintura

ao ponto de, aliciando-me deveras

levar palavrões na caixa aberta

do poema, não ter ainda achado

até ao presente, provocação

certa, sem o mínimo de pudor

para o que tenho entre pernas

 

mesmo quando me titila Odile 

ao pôr na boca em Manifotzo

todas as formas de os gajos

nos acapacharem com o pior 

na sua língua – Fotze! – eu falho

 

o português é tão macho que até uma cona

para causar estragos

tem de ser do caralho 

Sunday, October 19, 2025

Translatio Imperii


As estradas eram longas e levavam

ou eram compridas e conduziam

The streets were long and led

escreve Rosmarie Waldrop

em A Key into the Language of America

que reincide (300 anos depois

de Roger Williams e da sua recolha

algo fatídica de expressões e costumes

dos Narragansett) e infiltra na estrutura

uma voz de rapariga nascida “do outro

lado” pouco à vontade

com seus sexo e classe entre povoadores

 

para quem nada de nativo é congénito

talvez um enunciado se possa deixar no ar as ruas longas sem uma ponte

mas como ruas longas numa urbe atamancada

ou será aquilo uma crítica sobre a escrita


ausente de esquinas
                            pontas

 

ou uma poeta na coeva cidade de Providence 

“com um nível de nevoeiro denso como sémen” abordando

o começo de um novo mundo 

com as compensações de alguém crente 

mas sem poderes aliando-se com dúvidas 

desfazendo pela mesma moeda sua língua

mãe vaga nuvem a infância dela em Kitzingen a irrupção

do Blitz o tempo logo após a divisão – em que faria de “seis

a sete anões

a neve era branca

e o príncipe na batalha”

 

em Berlin Mitte (num quartil de cidade 

em que histórias apagadas mas nada mortas

clamam pelo tempo presente de dever) 

Elke Erb atreve-se à própria

assimilação com uma madrasta

que nos vem no encalço

não para marcar mas para entretecer

escreve

 

paira em Kastananienalle um “cheiro 

a ratos egocêntricos” repara 


e depois revê um primeiro rascunho 

de A Key feito por Marianne (Oellers de nascença

Frisch por casamento com Max 

com um fraco por pequenas

apesar dos bloqueios)

e no princípio do trabalho risca

alle Strassen waren lang und führten

reescreve

alle Strassen führten lang und ledig

todas as ruas levavam longas e solteiras

uma sugestão que Waldrop sinalizou

a lápis — Prima!

 

mas compridas solteiras conduzindo aonde

por que “autocrática teia de vergonha” 

ou trama (Schmachgespinst) ou nódoa nas carruagens?

pode a arquitetura afinal 

ultrapassar um plano 

andaimar experiências

oscilantes trans-

bordantes vasos entre parentes

e estrangeiros Sinne

podem sentidos

em vez de levados

ser caudais tecidos para traslados

 

escritos nas margens

lambendo o que se está a apagar?


Saturday, October 11, 2025

Aprender alemão com Georgette Dee faz-me ter falta de ti

 



eu direi que ela cantava sobre o pobre Herz mit dem Schnee de Marguerite (aha! G. Dee cantava só para mim), um poço fundo (tief) e claro de ingénuo amor, consumado à pressa numa pensão (klein Hotel), depois degenerado em abuso (bordel) e conduzido à penúria (ohne gelt) — tudo ao sabor altíssono e rouco da voz do grande corpo branco com um caranguejo tatuado ao ombro (ou coração com curvas finas, vértebras picotadas, asas-espinhas): Georgette Dee, seu plexo revérbero

e o cabaré teria a medida certa de Brecht e Dietrich — e ela, inclassificável (weder fisch noch Vogel), mãos espanadoras à Brel, pertinaz pesar à Piaf — alavancado tom, chorrilho com élan — por porte singular se destacando (verve à Camões) — e uma audiência afim, disponível para a emoção e a chacota 

 

nas partes ditas num tom misto de confissão e matreiro gozo, em que este meu immer arrastado tateio da língua não me deixou perceber por que todos se sacudiam de riso, limitei-me ao estudo dos gestos, mínimos pestanejos ou um subir de queixo para Terry Truck, parceiro profissional há décadas ao piano e pessoal (leva a empatia ilícita a imaginar) também na cama; aliás, grande parte da assistência mais ou menos queer se deu nalgum momento as mãos em duo ou trio — eu entre um cocktail e um caderno a querer sem poder apertar-te a tua 

 

eu a apontar à frouxa luz palavras que retinha e sabia devia já saber – por exemplo (zum Beispiel), combinações preposicionais cujo sentido não se soma, do tipo vorüber, vê lá tu, das Liebt vorüber não é “amor antes e sobre tudo” mas “transisente”, “volúvel” o que wirklich, porém, eu queria dann und jetz, porventura ewig, era encostar em ti à mesa os olhos húmidos e vielleicht debaixo dela as pernas como um brinde

 

conforme via aqueles e presumia estas da assistência – não por tara, mas por causa do pique e da carência de uma diva-magnete cantando fixa e invergável warum ist deine Arsch so wörm (o quê tão quente, eu a anotar e a consultar depois – o rabo), a sua boca tão encarnada elástica, o modo (an deinem Mund) como aos setenta se inclina, vibra as cordas da garganta, a breve barba do seu colo para trás, e abre os dentes como quem traga (an ferne Lande) mosto de um lagar celeste — 

 

a ti, num canto atabafado e rubro (Holstufe) de Berlim, eu digo tenho febre de te comer aqui

Wednesday, September 10, 2025

Estátuas que valia derrubar

                                      para o Joaquim 

 

Arrancar — diluir ao menos — tudo

quanto ao peito, à lapela, ao pescoço

usámos e incrustámos — nossa pele 

o mar ignoto; a cruz esculpida em osso.

 

Dada a fé de anos verdes que vivemos, 

malgrado a cupidez que lhe ia a par,

pudemos por uns tempos ignorar

que numa esfera há história, que sofremos.

 

Odiámos depois ver-nos ao espelho

bem como a flor, a vela ou a balança

no corpo como em toda a arte pública —

 

mas, borrando o que não serve e era velho,

emerge à contraluz essa criança

que fomos e enleada nos suplica.

Saturday, July 12, 2025

asa cardíaca

minha solidão é funda construi-a escavando-a 

com os punhos pelas camadas do tempo

com a avareza e a renúncia e a escuta do silêncio

depois descasquei-a com as unhas 

até me serem por vezes suportáveis

as paredes vivas como a carne e o barro

até o vazio ser visão quase dizível

depois outra vez ser vazio

e por horas não saber que fazer

com o montículo do meu coração

 

não faço nada com ele sugere-me

um amigo num sussurro de um livro

por sua vez partido entre outros que me fizeram balançar

julgando-me com menos amparo no mundo

eu que comi todas as migalhas para a segunda pessoa

até restar um cu de côdea eu sobre ela com uma perna

a outra incansavelmente no ar

roçada pelos pássaros

e também pelo murmúrio de um coletivo distante por que nutri

uma militância displicente

 

oh não se iludam o meu coração

é alto e vasto quanto baste

para se circular cá dentro

e bicar às portas igualmente amplas do peito

levo-lhe a mão e a queratina perfura-a

criou as condições ideais para o eco e o gorjeio

Thursday, May 29, 2025

Por alto


 

o que espero em tradução

não é captura ou passagem de sentidos

 

embora satisfaça a impressão de fio

 

busco a lâmina da entrevisão

em que o lido se torna cortina de vidros 

cai com brilho de tons 

e com barulho nos espanta formar-se algo

como outra língua afinal quase tida

 

(ou antes a sensação de a termos) 

em comum atingida quase lá

 

a imaginação será prática 

como num amor que começa

 

treinar na cabeça um beijo

a boca real dissonante rude

desejando que aconteça

 

dois pulsares batendo riscando 

num

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