Sunday, December 05, 2010

O Balde









E a magana da gata, arisca e fugidia
foi logo parir as crias
no sofá do arrumo onde ele tinha os papéis
(havia de se esquecer do último,
agora por lá anda o advogado
a tratar de escrevê-lo)
no sofá que a bem dizer não era dele
nem nunca ninguém usou
que comprou para impressionar os gaiatos
filhos dos meus enteados
(os que trataram do advogado):
bom couro, estofo fofo,
a vagabunda gata achou-o de agrado.

Foi isto dois dias depois que me fizeram
sair da minha casa com o meu filho pois, diziam,
não nos sabíamos governar depois que
segundo eles – (eu achei-o delgado
e pequeno o meu homem
a quem puseram tubos uma algália
e aquela máscara nas ventas
que não o deixava sossegar
e obrigavam-no a dormir nu
porque não gostavam que ele suasse

só lá fui uma vez onde o levaram
para prolongar a morte
onde nem me conhecia
não tinha dentes nenhuns
e o corpo naquela indecência
nem sei se me ouvia
toda a vida ele tinha sido uma árvore
mas voltou já vestido no carro preto
e depois fez-se a missa) –

não tínhamos condições para o resto da vida.
A mim calhava melhor ter ficado em casa
com o meu filho que tem problemas mas é esperto
e sempre demos conta do recado
mas disseram os enteados,
meios-irmãos do meu filho,
mais os netos e o advogado
que eu já não posso
e era melhor irmos para um sítio
a que querem que chamemos lar
e eu chamo asilo para os arreliar
que estou fraca e magra é verdade mirrei
que vivemos no campo demora a ver-se
alguém de longe se sucedia alguma coisa
ficávamos aflitos e ninguém nos acudia.

mas ia-se a ver onde ela tinha metido os bichos
ninguém dava sentido senão eu
e por isso me trouxeram eu vi
logo ao abrir da porta
e ao sair da gata disparada
pelo cheiro
deixei na cozinha o balde preparado
o sofá estava armado no arrumo
ao lado esquerdo do corredor
onde ele tinha os papéis
meti as mãos pelo buraco no couro
dentro da espuma dei logo com a pele
ainda sem pêlo engelhada e corredia
a chiar de olhos cerrados
um dois três quatro cinco seis
que embrulhei no regaço ainda cegos
e levei para a cozinha
para fazer uma coisa
que já fiz tanta vez
com a porta fechada que a mãe
andava coitadita a rondar
e ainda continuou nos dias depois
em que eu a vi muito magra
minhas mãos de velha na água
a forçar-lhes o cachaço para baixo
aflito pequeno delgado
até sossegarem
quando já não se mexem
não me custa assim tanto
não estão à espera desta
não têm governo para o resto é a vida
.

1 comment:

diana said...

afogar gatos como filhos pouco espertos embora doidos, no balde das letras à espera de melhor dia para parir, talvez... quem diria que neste covil escreves, vais escrevendo, além dos textos oficiais, a oficina.
abraço com águas correntes, sem engodo senão deixar partir

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