Wednesday, October 10, 2012

À sombra de Krishnarmuti



À sombra de Krishnamurti

Alimentados à colher pelos nossos santos, temos andado doentes,
bastante gananciosos e por conveniência sujeitos,
entidades em segunda mão, ocasionais lampejos de alegria e afeição.

Sob tortura, a mente retalhada,
que se furta a toda a confusão e refuta o mundo fora,
achará apenas em conformidade com a sua distorção.

Precisamos realizar que é a nossa imperfeita conflitualidade
que torna as relações em ressentimento, perceber que toda a história do homem
se inscreve em nós, e morrer para o que foi ontem;
perceber, não intelectual mas actualmente,
que só abdicando da respeitabilidade, nesta vida competitiva,
podemos suspeitar da infinita realidade desmedida.

Disseram-nos que todos os caminhos –  Cristianismo, Islamismo, Taoísmo, prática existencial da virtude –
conduzem à verdade e se encontram a uma mesma porta;
algo que, submetido ao teste da observação, é obviamente absurdo,
além de que não se pode olhar através de um ecrã de palavras.

Pelo que, não obstante a higiene do preceito
de não deixar passar nenhum dia sem linha,
não nos podemos fiar de que a escritura nos cura.
Mais importante do que o traço será a abertura,
o furo ou o recorte por onde se entra e verte e vem,
e o têxtil não tem de ser inconsútil nem
a urna bem lavrada, e a bailarina desmancha
os véus e a rasgadura denuncia a usura da memória.

A pergunta que nos colocamos é séria: há alguma coisa que se
possa fazer?
Tens olhos: ninguém tem de te dizer para ver.

Podemos então, tu e eu, após noite inteira de chuva
e desenrolada no céu a manhã livre de impureza
como se fosse a primeira, abrir,
sem qualquer convicção exterior ou temor de castigo,
a intensa revolução: a verdade sem a certeza vive-se
de vária maneira, é a beleza, um espírito
leve sem temor pode amar imenso,

havendo o amor faz-se o que se queira
.

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