Saturday, December 13, 2014

Retrato de rosto a partir do cabelo



O rigor do traço no volume demorado da carapinha,

o preênsil lápis manobrado pela observação

e esta por sua vez tentando controlar a impertinência

do precedente que enrola cada fio selvagem, que não nasce

como nada, desde o semblante humano, de espontânea criação.

A disciplina olho-mão é a liberdade do selvagem

e o realismo também outra tonalidade de metáfora:

molas de arame enérgico, a tremenda cabeleira indomável.

Não, nem todos os caracóis ondulam com a mesma tenacidade

ou direção, há até os destinados a morrer à míngua

de estrutura. O retratista, quando não estiliza, atende

a que nem toda a vida tem osso, apesar do excesso

apurado, da fragilidade retocada.



Colocamos linguagem e técnica, lentes e aros

sempre diante do ver. O rosto é uma coisa estrábica

onde espessura e clareza guerreiam e há irregulares

ovais onde loquazmente simbolizámos olhos

por uma emissão de lábios que o desenho deforma.

Nenhuma parte do corpo, porém, como a cabeça

segura tantos orifícios animais, e por mais que a beleza

seja da nossa responsabilidade como a limpeza e a luz

da pele, como a limpeza e a luz do traço no papel,

morreríamos incomunicáveis sem os nossos buracos.

O raro objeto, o sopro, a fome, o som, necessitam

feias fendas, alargados poros
.

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