Monday, October 14, 2019

ACKER

"A mãe pura e simplesmente odeia toda a gente que não for do nosso sangue. Ela usa a palavra sangue. Odeia toda a gente, todas as coisas que não pode controlar: tudo o que é alegre, animado, tudo o que está a crescer, a produzir. A humanidade dá-lhe ataques de pânico; quando entra em pânico, faz o que pode para me magoar.
           Refugiei-me na cave. No seu ar bafiento, Jesus pousa morto nas janelas.
           (...)
Em busca viajei para Berlim. Aí conheci um médico chamado Wartburg de cujo apartamento nunca mais sairia. Não via mais ninguém a não ser ele. Eu queria desde sempre fazer de mim uma dádiva a outro e aquilo era o meu começo. Wartburg pôs-me uma coleira; comigo de gatas, segurava-me por uma trela e batia-me com um chicote de cães. Era elegante e refinado e parecia o Jean Genet.
           Nessa altura, não havia ninguém que conseguisse procurar-me, encontrar-me, juntar-se-me.
           O que me dominava completamente era a minha necessidade de me dar inteira e absoluta e diretamente ao meu amante. Soube que pertencia à comunidade dos artistas ou freaks não porque a raiva dentro de mim era insuportável mas porque o meu desejo avassalador de me dar toda não era socialmente aceitável. Até então ainda não perguntara se havia alguém que se chamasse eu.
           (...)
Tudo que os teus avós e os pais e os professores e a sociedade te ensinaram, a estrada triunfal, o caminho certo, a via da virtude verdadeira — o CERTO, o BEM — não passa de Liberdade Mutilada e Liberdade retalhada em tiras de carne. O corpo violado. Um homem é uma criança que anda pelo caminho certo — uma rua meticulosamente esculpida com tabuletas — pois tudo o que consegue ver é a palavra perigo."


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