Vamos deixar de querer
que o outro nos veja o sofrimento aberto
como um animal quando?
(empratado com recheio do próprio
pássaro, vísceras
e farofa, dose generosa de arandos
em calda para os parentes)
Vamos deixar de querer
que o outro nos veja o sofrimento aberto
como um animal quando?
(empratado com recheio do próprio
pássaro, vísceras
e farofa, dose generosa de arandos
em calda para os parentes)
Estava previsto que isto da rebaldaria da igualdade passasse
debalde; pelos buracos das caleiras
passo pela agulha passo dos carris
passo mercadoria grátis a autoria
a propriedade a palavra
de honra (já disse) a escravidão passo
passas mando à fava o discurso
simbólico (vai chamar
a outro) da ponta
de Sagres não te devo um corno
Camões nem ao americano da tirada
do verso = expansão safando Brooklyn
Bridge mostra lá a vaza as pratas
os Douradores mostra lá o peão
que levas no porão
passa a outro não à mesma
bluff digo duma vez APOIO TODA A FORMA
DEMOCRÁTICA DE ACUMULAÇÃO DE POESIA
(Deixa passar Deixa
Deixa passar Deixa
Deixa passar Isto tudo
vai mudar Caraças
Baixa a guarda não tem que ser
as calças Com licença Fuck the peneirice Quase tudo
Mais que as mães A dar com pau Bora conviver)
ainda que poetas na sua
formidável maioria (Gato com rabo
de fora)
não sejam flor que se cheire gente afável
nem grande
espingarda que aproveite ler.
Descíamos de madrugada, ainda escuro, uma montanha vermelha (podia ser no Utah). Eu levava avanço e a dada altura pousava num socalco o meu carrinho de bebé e, sentada nele, a minha mala de couro, cozido aos losangos e variegado. Tinha algo de que avisar os amigos. Passava para cá um grupo de caminheiros vetustos. Quando voltava para lá, a descida era muito mais íngreme do que me parecera, o sol abrasava já blocos de terra vermelha em ângulo reto. O carrinho não estava em curva alguma do caminho. Hordas de veraneantes garimpavam agora a encosta, as suas botas descolavam grãos vermelhos da falésia (já não o Utah mas uma arriba fóssil da Galé): Ruy Belo tirara ali um perfil icónico. Finalmente no sopé havia uma caverna de Ali-Babá. Lá estava a mala, de conteúdo intacto, mas não o carrinho. A partir daqui o sonho desloca-se para a Califórnia e para o problema "do nível da água na esfera terrestre." Eu começara a ler A Divina Comédia na tradução de Marques Braga e adormecera a pesar a vantagem de substituir fatal por fetal num terceto repleto de feras.