Sunday, January 26, 2025

Canção da Manhã



O amor deu-te corda como a um relógio de ouro gordo.

A parteira bateu-te nos pés, e o teu choro calvo

Ocupou o seu espaço entre os elementos.

 

Nossas vozes ressoam, ampliando-te a chegada. Nova estátua.

Num museu ventoso, a tua nudez

Tolda a nossa segurança. À tua volta, brancos como paredes.

 

Já não sou a tua mãe, ao menos

Tanto como a nuvem que destila um espelho para refletir o seu lento

Apagamento à mão do vento.

 

Toda a noite a tua respiração de traça

Tremula entre as rosas róseas rasas. Acordo para escutar:

Um mar remoto move-se no meu ouvido.

 

Um choro, e tropeço da cama, vaca obesa, florida

Na camisa de noite vitoriana.

A tua boca abre-se limpa como um gato. O quadrado da janela

 

Esbranquiça e engole as suas estrelas baças. E agora ensaias

A tua mão-cheia de notas:

As claras vogais sobem como balões.



Sylvia Plath


Wednesday, January 22, 2025

Função Poética

 Quando baixo os braços porque não vale a pena o labor sem o futuro, nem tudo é soberba, mas pode ser um erro crasso da ética do trabalho: não se aplicar no que não funcionará. Pensar em desempenho, função, performance, afinal talvez tenha sido também um deslize de Jakobson em Linguística e Poética. “Reparem aquilo de que me faço”, pode ser uma súmula da sua “função poética”. O que sempre é diferente de “reparem naquilo que eu faço” e salvaguarda a esperança do restauro. Porém, o ato dessa linguagem, tornando-se mais saliente quanto mais inefável a sua matéria, não deixa de ser um truque demasiado próximo da publicidade, como viu o próprio, ao analisar um slogan de campanha presidencial (I like Ike) —  ou a paranomásia que numa língua ágil nos vicia em coisas e candidatos, no desejo sem os factos. 

Mas hoje, quando fui para um mergulho na fonte fria, por entre a chuva rala, o ar cinzento e o fresco vento, havia um carro parado, adiantando-se, irritante, à seminudez do meu momento. Duas pessoas magras e altas – um rapaz, claramente um jovem, a outra com um capuz que não desvendava o sexo nem a idade – tinham descido o empedrado até às pranchas do lavadouro, as que restam da ideia de este lugar ser uma aldeia. 

 

A do capuz tirava-lhe fotos, tocava no rapaz ao de leve na nuca e atirava-lhe beijos. E eu achei que ele atirava pedras, mas eram bolas de sabão que o vento fazia agachar no raso lago, e as sombras eram como os círculos das pedras, ajustando-se ao transtorno, onde a queda da nascente me banhou quando me decidi a fazê-lo. Ou quando decidi que afinal aquilo era belo. Esteticizarei? direi, antes, foi tocante o mistério que ela – era uma mulher, era uma mãe – me explicaria na mais simples linguagem: o filho tinha autismo, e ela desviara caminho para irem ali 

porque era a água nos dias de cinza 

e o vento

e o ar de sabão dentro do ar

do firmamento 

quase chuva a deslizar 

para o charco

o que mais o tranquilizava

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