Sunday, November 22, 2009

One Art

A arte de perder não custa dominar;

há tantas coisas que parecem decididas

a perder-se, que o mundo não pode acabar.

Perder quotidianamente. Há que aceitar

a falta das chaves, a hora consumida.

A arte de perder não custa dominar.

Depois treina-te a perder mais e sem parar:

nomes, e sítios, onde tinhas prometido

que ias; nem por isso há-de o mundo acabar.

Perdi o relógio da minha mãe, e – azar! –

a última, ou quase, das minhas casas queridas.

A arte de perder não custa dominar.

Perdi duas cidades, lindas, e, para somar,

duas terras, dois rios, e tantas despedidas

de coisas que faltam mas não causam pesar.

– Até perder-te a ti (a voz de troça, a xingar

que eu amo) não estou a enganar. É sabido

que a arte de perder não custa dominar,

embora pareça (escreva-se!) o mundo a acabar.

Oh, não, seja o que for o que for à excepção do amor

Diz: o mundo a acabar. (nota de Bishop para o poema)


Elizabeth Bishop
http://www.youtube.com/watch?v=6dudxfkrYi4&feature=related

Sunday, November 08, 2009



Acordei hoje como se fosse natural-

mente necessário ter o comprimento

do teu corpo na minha cama e estranhei

que não me abraçasses, nem preenchesse

o encaixe da tua pélvis

as minhas nádegas, a tua mão

sobre o meu monte, os teus joelhos

encostados à dobra onde os meus flectem.

Vês daí como tudo aqui ainda e sempre

treme continuamente, e a descompasso

do real, todos os dias tenho calores

de imaginação, trabalho a líbido

do cansaço, se fecho os olhos não durmo

e ao invés viajo dentro de mim

enchendo-me de corpos e fricções. Depois

no outro plano, já sentiste, custa-me

estar presente: das consecutivas vezes

que nos tocámos na boca, estudei os beijos

como uma alegoria embaraçosa:

tudo sob o comando diferido

da cabeça, com tensão mais que tesão,

a minha língua esgrimia a tua, quase

nada clamava ou humedecia, talvez

exceptuando um latido pequeno de amor

a pingar com irritação, não sei,

e além do mais haveria que indagar

se realmente são compatíveis as nossas

espécies, se isso é motivo de inevitabilidade,

ou de eu precisar das tuas carícias

nos anéis das cervicais, ou dos teu dedos

na pele ou o princípio do escuro

a partir do perímetro da cintura.

Sunday, August 09, 2009

"Aquela que de amor descomedido"


Não resisto, depois do post abaixo, a colocar parte da minha tradução até agora favorita de Landeg White. A elegia é longa, e não transcrevo tudo, mas a verdade é que se não fosse a leitura nova do inglês, a mim nunca me teria tocado tanto este poema de Camões (clicar aqui para comparar com português, infelizmente sem quebra dos tercetos; o que transcrevo começa no 7º verso).








(...)

In the same fashion, of my personal hurt,
already history, nothing remains
but this poem I scribble urgently,

and if its tenuous, threadbare existence
reflects love, it's because the thought
echoes its loss of the good that is present.

My lord, do not be at all startled
that overtaken by such ill fortune,
I steal this little space to inscribe it,

for whoever has the strength to go on
without killing himself by way of statement
has also the strength to write it down.

Nor it is I who write of my customary fate;
but within my heart, overwhelmed and broken,
the heartbreak writes, and I translate.

(...)

Direito à Indignação

Comentei isto além, mas como raramente me indigno, e já há muito que aqui não boto nada, resolvi repetir:
"Admiro muito o trabalho de R Zenith mas está na altura de eu me indignar um bocadinho. Como é que esta notícia do Instituto Camões pode começar com a frase "A primeira tradução para inglês da poesia lírica de Luís de Camões"? Ainda o ano passado se lançou "The Collected Lyric Poems of Luís de Camões" - uma tradução de Landeg White que de resto foi comentada no lançamento de Zenith, onde estive. Já em 1884 R. Burton traduziu o que então pensava serem os poemas líricos completos, menos éclogas e elegias, e existem várias outras selecções parciais do século XIX. Sobre as recentes traduções, é justo dizer que se complementam: a de Zenith é um trabalho ponderado e exacto de um grande tradutor literário; a de L. White, que deu à língua inglesa também uns excelentes Lusiads (1997) é uma viagem de partilha amorosa entre poetas.
Já agora ainda digo mais: não me parece que R Zenith ou a Universidade de Dartmouth necessitem de publicidade enganosa. Não concebo que uma instituição cujo principal objectivo é a divulgação da língua portuguesa no estrangeiro, e que assume por nome o do poeta em causa, possa encetar uma notícia com um lapso destes.

Monday, June 01, 2009

Descrição de haver perdido a bordo

Havia no canhenho doze anos
de memória, reserva especial
mal selada, havia lá marítimas
travessias, esquissos do velame,
planos, logs, tabelas de marés,

e partidas de king em horas
mortas, cálculos de azimutes,
havia relatos de perdas, queixas,
uma folha seca com fita gomada,
fixa a natureza a páginas
tantas, havia a minha mensagem
para o mundo, trajectos do espírito
com travessões e rimas mancas à – ah,
Dickinson – e Sede assim, cartografada
com maiúscula, a santa demanda da taça
fissurada, coágulo espesso, o sangue
que nunca seca bem no fundo, havia
amor com arrebiques de ficção, arrufos
conjugais, a fluida consciência assindética
amparando inexprimíveis comoções, havia
tropismos, apóstrofes de estímulos exteriores
com subjectiva irradiação, havia a íntima
confissão de minha filha elevando-se
cá dentro, raiada de tentáculos, vibrátil
medusa em muco de placenta ansiando
arborescer, havia algum motivo
de orgulho,
mas a fadiga dos fusos horários
mal registou o esquecimento, a crónica
de mim caída no tapete do aeroplano, varrida
junto com jornais, prospectos da companhia,
algum passageiro frequente tê-la-á pisado,
os funcionários da limpeza a bem
do asseio tê-la-ão – é o mais certo – destruído
.

Monday, May 25, 2009


















Curiosa a tribo que formamos, sós
que somos sempre e à noite pardos,
fuzis os olhos, garras como dardos,
mostrando o nosso assanho mais feroz:

quando me ataca o cio eu toda ardo,
e pelos becos faço eco, a voz
esforço, estico e, como outras de nós,
de susto dobro e fico um leopardo

ou ando nas piscinas a rondar –
e perco o pé com ganas sufocantes
de regressar ao sítio que deixei

julgando ser mais fundo do que antes.
A isto assiste a morte, sem contar
as vidas que levei ou já gastei.
*

Sunday, May 24, 2009

poema-resposta

(a um poema de um poeta de expressão inglesa cujo nome não me lembro, que me foi dado ler aqui)

do outro lado de mim há a casa
que tenho procurado
em corpo dos homens

por uma vez, duas vezes (eu só
sei bem
quantas)
encontrei-a.

Foi quando consegui dormir com ela.

Sunday, May 17, 2009

Medicação

indicada contra a melancolia.

Alegria

Literatura inclusa.

Posologia: ao menos
uma vez
cada dia
.

A menor arte poética

ao Rui Almeida

Não obstante o canto, se calhar
o que me agarra aqui é a textura.
Que faço no poema? Acupuntura,

o texto em vez do tacto, massagem
a mensagem
.

Saturday, May 16, 2009

Aniversário

Há tanto tempo eu
trazia um vestido curto nós
subíamos as escadas eu
à frente sem reparar deixava
as pernas ao desamparo do teu
agrado, tínhamos bebido ao meu
futuro e era uma fuga o teu
presente um disco que me deste
reluzia em semi-círculo e a nós
excitava seriamente escapar eu
fazia vinte anos tu
relanceavas-me as pernas eu
abandonava a adolescência
nem olhara para trás tu
miravas-me as pernas de trás. Nós
subíamos ao telhado eu
trazia um vestido curto nós
estávamos tristes creio tu
fingias-te um sátiro e nós
subíamos ao alto desarmados.

O tambor do sol batia
nos olhos que a luz e o álcool e a luz
e o álcool diminuíam
e os brancos raiavam o solstício
incandescentes eu
fazia vinte anos tu
tinhas-me dado uma música eu
rodava-a na mão e o sol
girava no gume do metal eu
no vestido curto descrevia
um círculo de desejo nós
estávamos tristes creio nós
tínhamos subido e a crista
das telhas beliscava na pele
petéquias de luz e tu
ao disco do sol dançavas e eu
de olhos cegos espiava fazia calor nós
tínhamos bebido e tínhamos calor eu
já tinha vinte anos nós
éramos o grande amor
.

Wednesday, May 06, 2009

revisão da matéria dada

as pessoas mudam, e o amor é seu mais poderoso transformador, mesmo que nem sempre se possa garantir a irreversibilidade ou os benefícios de médio e longo termo das alterações produzidas
.

Sunday, May 03, 2009

Dia da Mãe

Já não sente este corpo, dói e come-
-se por dentro e é só cego animal
na oca luz do foco do hospital
pela qual a enfermeira sem nome

empurra as mãos como colher cavando
os muros do casulo de água duro
onde deves vir ao colo maduro,
mas és arisca e esquivas-te, nadando

a salvo do isco que te procura.
Até que a tua nuca desemboca
na minha boca, e ela te segura

com seus dedos hábeis, te desloca,
e por certeiro corte se desata
o nó da corda que de mim te aparta
.

Friday, April 24, 2009

Tuesday, April 21, 2009

Pequeno-Almoço com Bernardo Soares

"Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo."
.

Wednesday, March 25, 2009

Série Cartas de Lisboa


Rua do Cardal (25/03/09)






aqui da graça com Sol
às altas janelas de uma casa
e rua sem história tem subido
hora a hora aos vidros
e a um céu de impostora clareza
o assobio estrídulo do amolador
encostado como os pássaros
à promessa da Primavera

gostaria até de ter navalhas murchas
para a sua tarefa



mas tão alheio me é o orgulho
quanto estrangeiro o sentido da memória,
de mais tangíveis contornos quero
penso às vezes esta espera embora
pouco pese — e mesmo pressinto
que por isso adoce a existência e eu
aqui agora nestes minutos meço
se vale ou não o desejo de empreender
no golfo que dista entre o que será
de banal ou simples evidência
ou o que há em mim a reconhecer
se me chegasses a ver
.

Sunday, March 08, 2009

Thursday, March 05, 2009

Notícias de Gaia


Segundo o Portal da Juventude de Gaia vai decorrer "um pouco por toda a capital portuguesa" a festa de 200 anos do Poeta Edgar Allan. Os estudantes da Escola de Hotelaria de Gaia e Grande Porto pensam já na melhor maneira de fazer chegar ao Bar Incógnito um gigante bolo de dois andares, constituído por Corvo, busto de Palas e 200 círios, estes patrocinados pelo curador da nave lateral direita do Mosteiro de Alcobaça. Paralelamente ao evento, sairá o livro Obra Poética Completa "com chancela da Tinta da China e autoria de Margarida Vale da Costa", correndo ainda rumores à boca pequena, não confirmados até ao fecho da edição, de que este contará com ilustrações doadas por um artista com deficiências motoras
.

Friday, February 27, 2009

mais uma variação (já cá faltava)


para o mano Roger

Herr God, Herr Lucifer
Há que
Resguardar.

Das cinzas renasço
Com meu cabelo ruivo
E devoro homens como ar
.

so hush little baby

a ambiguidade da linguagem, comparada com a do silêncio, é uma brincadeira de meninos de cueiros
.

Sunday, February 22, 2009

lembrete: como chegar ao início da Primavera

ir lá a cima ao monte
inspirar o rio imaginando que preenche o umbigo
expirar pelos olhos os telhados o casario os arcos a ponte
comer uma carcaça
.

Saturday, February 21, 2009

post post scriptum

Se a imprevista doçura ainda
sinto no avesso conflito da tua ternura
dista a memória milhas já
e o que resta neste instante

(um whisky após) o mesmo o intenso
desejo paz
.

mais ondas


para além das quem dera ser (e toca-me)





UMA ONDA

1
Uma onda
é amar-te e medo
ciúme deste mar
tan-tan do meu naufrágio
numa canoa de pétala
de acácia

2
Uma jangada
que me tragas feita
de troncos de palmeira
ou de um barco de negreiros
afundado
e dentro de uma concha
uma notícia

3
Amar-te é esta distância
e junto ao mar
senti-lo viajado
azul e com estrondo

4
Amar-te é uma fogueira
sobre a onda
sítio de uma lavra
de milho ou mandioca
na areia que me foge
sob a espuma

5
Amar-te é isto
com o teu perdão
não agarrar a onda
e mastigar-lhe o sal
que apenas sei
ter já beijado
a tua praia

6
Uma onda
que penso.
Outra em que reparo.
A mesma em que pensei
e que retorna ao mar.

7
Porque ficar a onda
— o impossível
(dizem que não havia
mar
remos de sol
nem barcos afundados).

Manuel Rui

foto cortesia arodaemroda
.

Monday, January 19, 2009

Não é todos os dias






















que o escritor da América mais amado pela Europa faz 200 anos. Para parabenizar o Edgar, aqui fica a tradução de um seu poema curto e plácido, como poucos.

PARA HELENA


Tua beleza para mim, Helena,
É como a das antigas naus nicenas,
Que embalavam sobre oloroso mar
O viajante, e alijavam suas penas,
Trazendo-o para as praias do seu lar.

Dos mares que eu cruzava, tão agrestes,
Tu, Náiade de tez preclara, amena,
Com flores de jacinto nas melenas,
À glória, que foi Grécia, me trouxeste;
Em Roma, que foi grande, me acolheste.

Te vejo à janela, em teu recanto:
Altiva, tal estátua, te levantas,
E a ágata transluz na lamparina
Em tua mão, Psique, que me ilumina
Ardendo dos confins da Terra Santa!

Sunday, January 11, 2009

Declaração

Quando alguém diz em voz alta que mudou de ideias.

Thursday, January 08, 2009

e por que não um pouco de publicidade?


A minha máquina Espresso Phillips Profissional parece que foi feita para o café Sical



... e com um poucochinho de açúcar Sidul dá aconchego especial.

(pensei em pôr os links, mas já era de mais, embora prometa fazê-lo se me arranjarem um lote vitalício)

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