Quando
jovem adulta às vezes embarcava
em
viagens, não vem ao caso, já então era pelintra
o
teatro para mim era cheio de torcidas na cadeira
e
como o mar os atores estalavam além das pessoas
e
falavam e moviam um caudal quase tanto como a massa da água
era
como se inspirassem demais e quando ficavam bravos
não
havia arnezes que os amarrassem ao convés dos palcos.
Aportámos
certa noite no Chiado a ver o Godot:
um
palhaço, um sujeito, um carril betumado no estaleiro de Deus,
tudo
era duro e o ar pálido e crespo como o avesso de um fruto,
provável
efeito de papelão e luzes, ressoava o tablado de oco,
do
subpalco esvaíam-se os atores além das pessoas.
Mas
no final o Mário Viegas tornou a si do carácter
e
à boca de cena como Balzac acusou
a
atitude da espetadora que à entrada displicente
com
um assobio desfalcado e um mal amolado estalo dos dedos
exclamara
que era roubo o preço do teatro
quando
tanto da vida davam os atores às vezes sob tortura
quando
a juventude irreal esbanjava fáceis fortunas.
Eu
era a insolente e por mais que me afundasse
não
achei no pânico a escotilha na plateia
e
enjoei e engoli meio desfeita pelas têmporas
por
todo o esterno empolgado, por instantes só quis
que
o Mário Viegas não tivesse existido se não pudesse calar-se
relevar,
abençoar, envolver no seu pullover
a
minha cabeça rubra à raiz dos cabelos
desmerecida
então do mar do teatro de velas e pinturas
na
saída dos artistas fiquei aflita para lhe falar
mas
nenhum esperava e nenhum torceu
e
garrulei sobre o acesso à cultura em vez de o abraçar
e
acabei por seguir dali no carro dos amigos que tudo
calaram,
e o condutor com o nariz colado à cana
levou
todos a casa para se me confessar a sós
apaixonado,
o que era absurdo e sórdido.
Pouco
depois deixei de embarcar
mas
não me fiquei por ali nem passou o pior:
anos
mais tarde com meu amor num bar que salvo o erro
tinha
nome religioso houve um outro Mário mais novo
que
também era do teatro. Eu já devia ter parado de beber
e
não me agradava a conversa que creio ter sido
ou
eu ter entendido acerca de gajas de toda a maneira
eu
já não era tão jovem e sofria mais.
E
sempre cobarde dirigindo o juízo ao que menos contava
a
minha mão voou aberta à bochecha do novo Mário
e
ele inchou, senão de dor, de rancor, todo
transfiguração
e ultraje, nisso vendo a deixa
para
colocar a mais alta voz da representação
no
vitupério das minhas maneiras, das minhas peneiras
tristes
cenas e duques e bobos todos da madrugada
a
saber que eu não valia um chavo, que insultara um falecido génio
naquela
mesquinha noite onde aquele próprio
ferido
Mário estivera e não esquecera.
Por
todas as minhas desintegridades
me
desculpem os Mários, o teatro e a equação da arte
com
o bem, mesmo se não more aí o seu maior veículo,
me
desculpe o mar além disso
sem
totalmente vir ao caso peço só
me
possam perdoar amigos que não defendi
.
.
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