Minha cara amiga,
Várias vezes me entretive com a ideia de um
espelho com percepção própria e com as várias aplicações metafóricas dessa
fantasia — e esta manhã, pressenti na Harpa Eólica do meu Cérebro que havia algo
de agradável e emblemático (que ainda não pude exactamente precisar) na sugestão
de dois desses Espelhos confrontando-se, cada um vendo em si o outro, e o outro
em si. Já reparou, minha amiga, na Caserna ou pequeno Aposento que a Aranha, girando,
tece para si, com espirais de fios a toda a volta, e às vezes com linhas
rectas, de tal forma que o seu gabinete ou retiro desenha um quadrado oblongo?
Associei isto na minha mente à verdade melancólica de que, à medida que
envelhecemos, o Mundo (oh! sucedendo tanta vez que quanto menos o amamos mais
nos importamos com ele, e quanto menos motivos temos para admirar as suas
manifestações mais ansiosos estas nos deixam — oh! tanta vez nos tornamos menos
amáveis, sendo que cada vez mais o Amor, que consegue sobreviver a toda a
mudança menos à mudança de si mesmo, e a toda a perda menos à perda do seu Reflexo, é preciso para o nosso consolo,
e só ele é capaz de o fazer!) Que dizia eu? Ah, apontava o facto de, à medida
que avançamos na idade, o Mundo, essa Bruxa aracnídea, ir fiando os seus fios
cada vez mais estreitos, apertando-nos, até por fim nos encerrar entre quatro
paredes, paredes de gaze e fumos, sem janelas — e será bom se houver
clarabóia, e se restar uma pequena brecha para a Luz do alto.
Falo por figuras,
dores e pensamentos interiores
Lendo por meio de
formas e mostras exteriores
Onde, cada vez mais de perto, com Laços mágicos,
A certo tempo e espaço (tecido de Laços mágicos
Linha sobre linha, engrossando a cada traço),
O mundo por toda a parte fia a teia aracnídea,
Lado respondendo a lado com rara entrelinha,
Por minha fé (digo; eu e a minha fé somos um)
Que pende, como um espelho, ali! Rosto com rosto
(Pois nada mais havia, perto ou entreposto)
Um espelho-irmão escondeu o Muro aborrecido,
Mas eis que está
partido! Ó, brilhante oposto,
Que se perdeu com ele meu Íntimo sentido —
Fé na Fé do quanto, unicamente, querido!
Ah! Eu!!
Chame-se ao Mundo aranha: E ao toque mais subtil
O pensamento torna-se imagem; vejo-o assim.
Como viscosa alvenaria de gaze e de fios,
Resistente como as redes de índios nas florestas,
Combina ofícios de Pedreiro e Tecelão,
E cedo os fios são tendas de imprecisas frestas,
Obscuras câmaras onde o dia não penetra.
Mas cesse o prelúdio, retome-se a canção.
Samuel Taylor Coleridge, Notebook No. 29, p. 168.
21 Feb. 1825.
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