Wednesday, January 02, 2019

Ode ao Vento Oeste

 Hence the vanity of translation; it were as wise to cast a violet into a crucible that you might discover the formal principle of its colour and odour, as seek to transfuse from one language into another the creations of a poet. The plant must spring again from its seed, or it will bear no flower – and this is the burthen of the curse of Babel.
                                                                          (Shelley, A Defence of Poetry)

ODE AO VENTO OESTE

I
Ó vento Oeste indómito, sopro do ser do Outono,
Da tua nítida transparência emanam mortas
Folhas, tais espectros por um bruxo fustigadas

Amarelas, negras, claras, multidões de rubro
Eivadas, com cicatrizes da peste; Ó tu,
Que carregaste para a cama do Inverno

As aladas sementes, no frio breu soterradas
Cada qual um corpo, amortalhadas. até
Que ressoe cerúlea a tua irmã da Primavera

Seu clarim sobre a terra estremunhada, preenchendo
(A espalhar doces botões, quais velos pastando ar)
Montes, planuras, de vivos matizes e odores;

Espírito indómito, que por todo o lado lavras
Destruidor, Preservador, ó ouve cá!

II
Por tua torrente, entre o íngreme abalo do céu,
Se vertem nuvens soltas como folhas de terra
Decompostas, caídas das ramas torcidas do Alto

E do Mar, Anjos da chuva e do raio, esparze-
-Se no azul debrum de tua etérea escuma, qual
Brilho de madeixa da cabeça duma Ménade

Feroz, desde a mais ténue orla do horizonte
A todo o alcance do zénite, a cascata
Da tormenta eminente, ó funéreo tom

Do moribundo ano, cuja derradeira noite
Se faz cúpula de um sepulcro amplo,
Pleno de espirais da fúria que convocas

Com vapores, dos quais uma atmosfera sólida
E chuva preta e fogo e pedra romperão, ó ouve cá!

III
Tu que despertaste dos sonhos de verão
O azul Mediterrâneo, onde ele lá jazia
Na concha embalada de cristalinos rios

Junto de uma ilha, na porosa baía, Baia,
E viste dormir palácios, torres de outrora,
A tremer dentro da hora mais densa da onda,

Cobertos todos do anil de musgo e flores
Muito doces, que dá desmaio imaginar; Tu,
Que no teu rumo impeles forças imperiosas

A dividir ravinas no Atlântico, e bem ao fundo
Flore o mar e os bosques olorosos que adornam
O fraco esponto das folhas do oceano, Tua voz

Conhecem, e súbito se acinzentam de receio
Se enchem de tremores e se dissipam, ó ouve cá!

IV
Fosse eu folha morta que pudesses carregar,
Fosse rápida nuvem que contigo singrasse,
Onda que arquejasse no teu jugo, e colhesse

Da tua força ímpeto, só que menos livre
Do que tu. Ó incontrolável, fosse eu
Ao menos quem fui, rapaz, capaz

De acompanhar-te nos passeios sobre o Céu
Como dantes, quando fintar-te a rapidez
Nem parecia ser visão; jamais me esgarçaria

Nesta prece para ti, neste carente estado.
Levanta-me, ó, ser onda, folha, nuvem!
Desabo nos espinhos desta vida! Sangro!

O grande peso do tempo acorrentou, vergou
Alguém que quase te ombreou, lesto, agreste, altivo.

IV
Faz-me tua lira, como fazes à floresta:
Que importa eu desfolhar-me como ela
Se podem tuas harmonias estrepitosas

Tirar de ambos o tom do assombroso outono,
Meigo contanto triste? Sê tu, espírito tenaz
O meu! Sê eu, meu amo impetuoso!

Deita ao universo os meus pensamentos mortos
Forçando as folhas murchas a novo nascimento!
E, pelo encantamento dos meus versos,

Espalha, tais cinzas e brasas de um forno
Inapagável, minhas palavras entre a humanidade
Sopra à terra não desperta, nestes lábios,

A trombeta da profecia! Ó Vento Oeste ouve,
Se vem o Inverno, chegará preste a Primavera?

Percy Bysshe Shelley



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