Monday, April 22, 2019

esvaída a voz que se diz

Sampurna Chatarji, poeta indiana, escreve um livro na língua sua conivente, o inglês, mirando a outra, a língua da mãe, Bengali, que não é língua materna. É o inglês que a capacita a ordenar o que sente mais ao fundo, embora ambivalente sinta que deve regressar ao dialeto de onde teve de, e quis, afastar-se. A coletânea chama-se Unvoice What is Said, é quase toda feita sobre livros traduzidos (os dois primeiros são do português, Saramago e Pessoa), a primeira parte versa o título, a segunda seleciona palavras do escrito - tira o que é dito, desfaz o que se diz, que na verdade já não estava lá, mostrando o que sucede a uma língua quando se lhe desagarra a voz do original - o poema encontrado, labor, incumpridamente infinito amor, o da tradução.

assim ela ou ele verte
ser voz por procuração
lê sofregamente, sorve
pelo cano, escorre
a versão (ad contrario)

palavras comprimidas,
ser mira de precário
disparo, pressão de ar
sofrível (nem tanto)
tolerável à tangente

enquanto escritor(a) se exima
ser doutro forro a língua
de afeto e afta — e falhe
ao lado vire, claudique
manco recontro, esforçado canto.

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