Monday, October 21, 2019

Crude Truth


Pessoas radicais a fazer coisas radicais. O contraste do preto sobre o muito branco, a uniformidade da audiência, tal como a da maioria dos artistas e retratados na National Portrait Gallery, dá que pensar. Não será apenas uma luta de brancos. Podemos estranhar que o Extinction Rebellion, um movimento de protesto contra a extinção pelo capitalismo se globalize numa sigla que tem algo de marca, XR, mas, no que conheço dos seus propósitos, há um estímulo às diferentes expressões e auto-determinação dos grupos que pegam na bandeira. Não encontramos nesses grupos grande diversidade racial, é certo, mas eles próprios dizem proteger os mais fragilizados de entrar nas linhas da frente, dados os problemas acrescidos que podem ter com as autoridades. Percebe-se que a classe operária se exalte e enerve ao ver-se "boicotada", por pessoas que porventura têm como mais abonadas para o ócio, numa rotina que lhe garante o sustento necessário. Escolher como alvos transportes públicos nas lutas contra o clima e impedir a livre circulação de pessoas sem voz na matéria afigura-se uma consequência imprevista e extrema da intenção capacitadora, na base do movimento, de ceder a chancela a quem por ela quiser lutar. Assim, ainda bem que, igualmente no seio de grupos que se dizem XR, o assunto merece reflexão.

Por outro lado, parece-me que haverá alguns indivíduos de falas falaciosas a injectar ódio racial contra os ativistas. Os nossos semelhantes "em vias de desenvolvimento" viveriam em condições inferiores e ainda de maior exploração se não tivessem petróleo? Deverão ser bem mais complexas as condicionantes que fazem não termos ouvido ainda nenhuma preta nem parda reclamar contra os betinhos do clima, ou preencher as desfalcadas fileiras dos negacionistas, ou perfilhar o pensamento mágico dos tecnocrentes.

Monday, October 14, 2019

ACKER

"A mãe pura e simplesmente odeia toda a gente que não for do nosso sangue. Ela usa a palavra sangue. Odeia toda a gente, todas as coisas que não pode controlar: tudo o que é alegre, animado, tudo o que está a crescer, a produzir. A humanidade dá-lhe ataques de pânico; quando entra em pânico, faz o que pode para me magoar.
           Refugiei-me na cave. No seu ar bafiento, Jesus pousa morto nas janelas.
           (...)
Em busca viajei para Berlim. Aí conheci um médico chamado Wartburg de cujo apartamento nunca mais sairia. Não via mais ninguém a não ser ele. Eu queria desde sempre fazer de mim uma dádiva a outro e aquilo era o meu começo. Wartburg pôs-me uma coleira; comigo de gatas, segurava-me por uma trela e batia-me com um chicote de cães. Era elegante e refinado e parecia o Jean Genet.
           Nessa altura, não havia ninguém que conseguisse procurar-me, encontrar-me, juntar-se-me.
           O que me dominava completamente era a minha necessidade de me dar inteira e absoluta e diretamente ao meu amante. Soube que pertencia à comunidade dos artistas ou freaks não porque a raiva dentro de mim era insuportável mas porque o meu desejo avassalador de me dar toda não era socialmente aceitável. Até então ainda não perguntara se havia alguém que se chamasse eu.
           (...)
Tudo que os teus avós e os pais e os professores e a sociedade te ensinaram, a estrada triunfal, o caminho certo, a via da virtude verdadeira — o CERTO, o BEM — não passa de Liberdade Mutilada e Liberdade retalhada em tiras de carne. O corpo violado. Um homem é uma criança que anda pelo caminho certo — uma rua meticulosamente esculpida com tabuletas — pois tudo o que consegue ver é a palavra perigo."


Sunday, October 13, 2019

Balada de núpcias

Vamos viver juntos

as crianças correrão pelo soalho
derrapando em tábuas, odiando-me
a TV será uma bomba paralela
a janelas altas
não partilhando uma cama
dividimos placas, a minha
deixa-me escaras na pele
dum ombro, cambará

Vamos para a mesa anuídos

distraídos e amuados
carregando resíduos num saco
de plástico que não se pode
deitar para o espaço
e alargará a culpa
pelo formato do sonho
de encolhido alcance
estanque ânsia que alui
e arrasa

Vamos passar a dormir

cada vez mais tarde
com estímulos e desconfiança
tu já não me encaras
tal como eu
peço o silêncio como casa

Saturday, October 05, 2019

O Herbsttag de W. B. Yeats

O Cair da Folhas


Abaula o outono sobre longas folhas que nos amam,
Debruça-se sobre os ratos nas hastes do centeio;
São louras as folhas da sorveira abrigando-nos,
Louras as folhas perladas do bravio morangueiro.

Sobre nós se abate a hora em que o amor se dissipa,
E vão-nos as almas tristes, fatigadas, definhando;
Separemo-nos, antes que nos fuja a paixão do tempo,
Com um beijo e uma lágrima a tua fronte vincando.

Thursday, October 03, 2019

[na cabeça do sonho: da própria, perdido o centro da fala]

A fechadura estava dentro da gaveta e a chave cá fora.

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