O comboio-lata em sono-cinza abranda na estação
espanta o bronze das folhas, embarco na hinterland
alemã, salto o carril da história direta ao milagre
da paisagem comparada. O inverno levanta céus
cobre rios de gaze verdes ervas renova seu lume
estarrece
somente pela direita: do lado sinistro o companheiro
tendeu o estore, treliça da manhã, rede mosquiteira
da luz — vaga indefinição que não chega
a ser feia mas me põe sobranceira em guarda:
à sonolência do anódino meu solene desdém a quem
ignora
que “mortos são os que não aprenderam a cair” disse
a jovem debruçada no meu poema entendendo como
queria raspando a taluda na verdade sem rimar
na terminação, cheia de empatia para com as folhas
impreventivas da poesia. Não mais
cantar
Ele veste um blusão, tatuagens inscritas por baixo
há pele, uma origem operária que somos nos arrabaldes.
E o lanche ao lado no estofo: ratos cor de rosa, brancos
doces, densos, de esponja, com sumo de fluorescência
edulcorada, descartável, incompaginável com
ele, dorme
eu meço meu risco e ilusão: na lira das pálpebras
alheias porventura um pantone mais amplo gira
a visão inimaginada... daqui quem sabe a aventura
é irrazoável.
ICE Hamburgo-Berlim, 29/11/2019
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