Mas que escale a mudez ao rosto, se virem os olhos
ao outro, ao lado, ao longe, ao vago, alheios
e o braço se estenda ríspido, palma fletida, cinco
dedos coibindo quem avança um passo mais –
e isto se faça por nobreza de caráter, por
hospitais, mais velhos, familiares. Não, não
obstante a lúrida exposição de vítimas
entubadas por astronautas nos telejornais
e o alarme dos pesquisadores de Foucault, poucos
lucram nisto. Ou a maioria não, a ponto
de nos fazer melhores do que desejávamos. Mesmo
que a segurança sanitária não tenha o caché
da liberdade, sempre contradizemos Darwin
e o triunfo do mais forte, senão a própria morte
Mas que se meçam as distâncias, se fite
o espaço e feche, se calculem os metros, graus
do antisséptico, o calibre do medo, do aperto
nas fronteiras, nas ombreiras às portas dentro
dos corpos. Veremos quanto tempo suportamos
como mónadas. Mas que haja na rua a peste
e a revolta seja uma hipótese remota o povo
tudo aguenta afinal aqui como na China
pior sem poder apontar um dedo de culpa ou
erguê-lo em direção, caminho, menor mal, justiça
Mas que morram sós, sem que sejam vistos
sorvido todo o ar até falhar o esforço, que fiquem
corpos isolados, metidos num saco, num cofre
rodados para dentro de uma gaveta ou lá para onde
se levam, sem que dedos nus alguns amantes
os toquem, puxem para baixo por último
as suas pálpebras, nem uma lágrima lhes bata
Mas que sendo as ruas grandes campas, o som
curve para dentro, quase nada entre muros já
repasse ou às janelas assome – um corvo
por exemplo, um bútio, um rouco pombo — mas que
grite uma filha grega louca por tal descaso de rito e
se ouça neste fundo, estique um O a máscara o luto e
zele para que subam os mortos, os vivos tenham pé