Tuesday, September 26, 2023

Chegar ao ponto

 

  a partir da pintura de John Sargent “Paul Helleu a Desenhar com a Mulher”)



Ele rema sozinho, planta a madeira velha e lisa

ao de leve na corrente. Está fascinado

com o som da água apartando-se, com o sussurro

contra os flancos batidos do bote. 

Ela contempla o céu, segurando contra o peito

o remo húmido; ensopa-lhe o tecido

e depois a pele. Já lhe passou o arrufo.

Agora está fria; a luta já não a alimenta.

Ele resmunga, “Contrariamos a ordem das coisas,

perdes constantemente o ritmo; andaremos

em círculos se não me deixas ser eu a fazer.”

Como pode ela responder a esta lógica:

“Sonhei que o fazíamos juntamente,

Vi-nos a deslizar com uma sensação

deliciosa — a escaramuça dos amantes.

Imaginei-nos a cortar assim a superfície

ou pelo menos a tentar e a rir-nos disso”?

Portanto, faz ele, e dá-se então o romance:

um crepúsculo lerdo de verão, a lua crescente

sobre a orla do pântano, a água

quase tépida, um vagar amistoso e soturno,

os chapéus de palha, as fitas vermelhas,

o casaco desportivo, a saia ampla, 

a sacola das tintas e dos pincéis,

a panóplia de um piquenique,

o aprumo de um bote à deriva

por um lago plácido, as rochas

de sépia e estanho ao lado. E diz ela,

“Não, faz tu. Eu fico a ver.”

E ele pergunta-lhe se está feliz,

se aprecia a água, a vista;

se a sua paisagem, a aguarela

húmida de um arbusto esgalhado

lhe agradou, se gostou. Ela ouve

“Vieste-te?” e responde, de boa fé,

como sempre. “Muito agradável,

foste muito querido” — porque basta.

Ela segura o remo contra os seios,

o duro cabo a apertar um mamilo

ao ponto de lhe marcar a pele.


 Kwame Dawes, da sequência Fishing (Na Pesca)

No comments:

Blog Archive

Contributors