Todas sabemos.
Não foi bem assim.
É preciso ver que em Salem
havia um centro com os melhores de Harvard,
chamados Mather – pai e filho:
o pai, de primeiro nome Increase, restituiu
o grego e o hebraico, proibiu as praxes,
enquanto pelejava contra Philip, rei índio
também chamado “filho da floresta”.
É preciso ver que rondava
o mal sempre à beira dos cristãos
que ademais, segundo a sua Breve História,
já não eram flor que se cheirasse.
É preciso ver que precisavam do fogo
da espingarda, do feixe luminoso dos terrenos.
O filho, tratado por Cotton, que era o nome
de solteira da mãe, herdado de John, o pai
(outro douto, um herói da grande migração
que acorreu a saudar no porto de Boston
Anne, a mais brilhante mente do seu sexo
mas não se opôs ao tribunal que lhe tirou a beca
acusando-a de queimar etapas para a ascensão),
o neto Cotton Mather, há que ver, jurou pela ciência
e ouviu de um informante que era escravo
como inocular com doença a gente sã.
Debelou a varíola, deu-lhe crédito,
chamou ao escravo Onésimo.
(Diz Derrida que o luto dos que achamos não-humanos
deriva desses nomes que lhes damos.)
Noutras circunstâncias, Cotton interessou-se por Tituba,
uma índia desengraçada e invejosa.
Quando a encurralaram, confessou bruxedos
mas era o dono dela que lhe dava medos, e as filhas
umas bullies odiosas.
É preciso ver que Cotton tinha um historial:
Martha, do piedoso lar dos Goodwin,
armara aos treze anos birras do demónio.
Levou-a para casa, onde havia várias crianças
e a terceira mulher desposada antes dos dezasseis,
para não falhar no registo do fenómeno.
É preciso ver que eram homens do seu século
cada um, avô e pai e filho
acreditavam ser visíveis santos
julgavam evidências espectrais
pelo que usavam normalmente o seu poder
de destrinçar nos sonhos tentações apóstatas
e bruxas com bonecas que faziam sofrer crianças.
Temiam a corrosão das mulheres que ouviam
vozes e falavam por meio de paredes.
Elas não.
Todas sabiam.
Estava-lhes na natureza ouvir os mandos.
Vulgares palavras de ordem, simples ralhos, nem eram bem
assim, não eram nada.
Endoideciam, normalmente.
Levadas a julgamento
sumiram-se as vozes insolentes.
Fizeram-lhes dos corpos exemplares fogueiras
e no fim ficaram resmas de sentenças
juntando à confusão uns gatos pretos, ratos pretos,
pássaros amarelos e vermelhos, cães pretos, também
um lobo — sem que se saiba ao dia de hoje as ordens
e causas verdadeiras de Salem.
É preciso ver
que a histeria
se imiscui na história, normalmente
que os Mather publicaram grandes obras
em editoras probas como a Harvard:
Casos de Consciência de Espíritos Malignos a Encarnar Homens
por exemplo
Discurso Respeitante à Graça da Coragem
ou Bonifácio – Ensaios para fazer o Bem, que Ben Franklin disse ter lido em boa hora
como inspiração muito influente.
Nós não.
Todas sabemos—o que não foi bem assim
nem nada
nunca foi—
endoidecemos, normalmente
há sempre tanta versão.
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