Como eles somos livres
de voar / de dizer / de crescer: em diante, um bocado ao lado, até um poucochinho para trás, e quase sempre em ziguezague (porque é o único programa que os meus pais me deixam ver na TV, embora não saibam que eu às vezes faço zap para a Floribela)
Wednesday, May 31, 2006
Monday, May 29, 2006
Thursday, May 25, 2006
Saturday, May 20, 2006
Trans-poética
HOTEL LOUNGE
Entre vocês e eu na arriscada
via rápida dos artistas há
um baldio de línguas que se
tresmalham incandescem e internamente
queimam os ouvidos: pares poetas eu
lamento discordar mas
sendo
a poesia
o que perde a tradução
há então mais importantes coisas
que guardar e eu não vejo forma
outra de sair deste férvido ruído
senão o esforço extreme e distendido
no transporte de chegarmos.
Quão arriscadamente – é o nodo
central desta questão – nos dispomos
a correr entre as línguas a arder
e se escrever vale de outro modo.
Por exemplo o nosso lounge
no hotel, pode ser um espaço
franco de chegarmos face
a face? e caso isso suceda
é prudente
defendermos a cilada
do comum e do corrente?
Pares poetas eu lamento discordar
mas na arte vejo alvos desiguais:
ter em vista o chegarmos a outrem
ou escudar a perda que se arrisca
e para mim é o primeiro que convém.
E mesmo assim no lounge do hotel
se enfim depositamos os punhais
no parapeito do balcão – rondando
estrangeiros num abrigo as bebidas
e as pontas de vidas e cigarros –
será jamais possível emalhar as nossas
línguas sem cair no brejeiro trocadilho
e no perverso lenocínio de um verso?
e vão tomar-me por aquilo que eu sou ou
por aquilo que em mim miram e pode haver
uma outra via de sair a via
de fazer um esforço mútuo
de mudar-nos e folgar quando falamos
o freio do orgulho de ser únicos?
Embaraça-me, pares poetas, discordar
do vosso tão distinto parecer
mas agradeço todavia essas vias
lenitivas no encontro de chegarmos
à provisória e aturdida comunhão
entre o médio-transitivo território
de um lounge num hotel.
Thursday, May 18, 2006
e o teu barco negro dançava na luz
outro poema de Ady Endre traduzido por Ernesto Rodrigues, e que foi silenciado por alfnete, apesar de ter andado a rondar a página
MULHERES NA PRAIA
Estavam na praia mil mulheres,
tendo seus lenços, e com flores,
que soluçavam nos adeuses,
e eu no barco jubilei.
Veio crepúsculo; em névoa,
estavam na praia mil mulheres.
Mas inda vi os lenços delas,
mas as flores inda caíram.
Veio a noite e escureceu,
como o passado, qual vingança;
estavam na praia mil mulheres,
e eu no barco que chorei.
Porque não via já nenhuma,
nem sequer lenços, flores sequer,
e ouviu-se assim, qual numa história:
«Estavam na praia mil mulheres».
MULHERES NA PRAIA
Estavam na praia mil mulheres,
tendo seus lenços, e com flores,
que soluçavam nos adeuses,
e eu no barco jubilei.
Veio crepúsculo; em névoa,
estavam na praia mil mulheres.
Mas inda vi os lenços delas,
mas as flores inda caíram.
Veio a noite e escureceu,
como o passado, qual vingança;
estavam na praia mil mulheres,
e eu no barco que chorei.
Porque não via já nenhuma,
nem sequer lenços, flores sequer,
e ouviu-se assim, qual numa história:
«Estavam na praia mil mulheres».
Monday, May 15, 2006
Friday, May 12, 2006
d. A. (depois de Adília [Lopes])
enquanto tais poetisos obscuros
tanto mais
precisa a desassombrada poeta
tanto mais
precisa a desassombrada poeta
Sunday, May 07, 2006
do teu nascimento
como eu palavras busco que pensar
o amor que em dor se haure e me sufoca
meu leite busca brusca tua boca
do ventre que acabou de te soltar,
me assalta primitivo o incontido
materno sentimento imprevisto
dos corpos fluidos mútuos e vertidos
que um no outro se acham repetidos;
e se recolhe enfim teu cenho feio,
teu choro sem governo no meu colo
sossega e dá lugar, sugando o seio,
a um semblante humano que consolo.
De ti esperei tudo e agora isto:
que em ti o excesso meu se ache visto.
o amor que em dor se haure e me sufoca
meu leite busca brusca tua boca
do ventre que acabou de te soltar,
me assalta primitivo o incontido
materno sentimento imprevisto
dos corpos fluidos mútuos e vertidos
que um no outro se acham repetidos;
e se recolhe enfim teu cenho feio,
teu choro sem governo no meu colo
sossega e dá lugar, sugando o seio,
a um semblante humano que consolo.
De ti esperei tudo e agora isto:
que em ti o excesso meu se ache visto.
Wednesday, May 03, 2006
Revista do Portugal da outra senhora
A propósito do primeiro número, dedicado a Afonso Henriques, da história infatilóide da nação que está a ser publicada serialmente pelo Expresso na colecção “Era uma Vez Um Rei”, já aqui o Camarada D deixou pertinentes considerações, a que se podiam acrescentar ainda mais, como o maniqueísmo racial com que se perpetua a versão heróica da vitória dos pequenos e honrados portugueses contra os numerosos e avassaladores mouros. Mas é sobre o nº 4 da referida colecção, dedicado a “D. João I, O de Boa Memória”, que gostaria agora de ventilar a minha fúria de feminista compulsivamente pirómana de soutiens (cf. comments a este post). É que, relativamente a duas das mulheres mais interessantes da nossa história que marcaram este período, Leonor Teles (dita “a aleivosa”) e a lendária padeira, aka Joana Brites de Almeida, que abateu sete espanhóis saídos de um forno de Aljubarrota, o livro - caucionado, tal como os restantes, pela “revisão científica” [sic] da Associação de Professores de História, escrito por uma donzela finalista de Psicologia (!!!), narrado pela consorte dum intelectual socialista, e com ilustrações do filho dum poeta da intervenção pela liberdade de Abril - mantém uma impávida omissão. Em contrapartida, numa das canções festivaleiras que pontuam assiduamente esta série, só uma figura feminina é digna de singularização nominal, D. Filipa de Lencastre. E nestes termos: “[D. João] Casou com D. Filipa, / Rainha e mãe virtuosa / Que educou bem os seus filhos, / Sendo honesta e caridosa.” Concede-se ainda, noutra das cantigas, a que festeja a Batalha virilmente chefiada por Nun’Álvares (com esta pérola versejante do cançonetismo popular, “Com a táctica do quadrado / Damos conta do recado”), dar voz ao feminino, mas, não surpreendentemente, em indistinto coro e contraponto de “mulheres”. E que cantam elas? “– Lá estão os nossos maridos / Nos campos, a combater. / Façamos uma sopinha, / Para melhor os receber…”
Face a isto, com masoquista ansiedade, aguardo ardentemente o único número da colecção dedicado a uma gaja que, à falta de melhor varão, conseguiu trepar à hierarquia do trono: “D. Maria II – A Educadora”. É o décimo primeiro. Se é mãe, ou pertence ao grupo de risco das que podem vir a sê-lo, faça já a sua reserva. Sob pena de descurar a cultura genérica de suas filhas e filhos.
(foto: insígnia das enfermeiras da Cruz de Aviz)
Face a isto, com masoquista ansiedade, aguardo ardentemente o único número da colecção dedicado a uma gaja que, à falta de melhor varão, conseguiu trepar à hierarquia do trono: “D. Maria II – A Educadora”. É o décimo primeiro. Se é mãe, ou pertence ao grupo de risco das que podem vir a sê-lo, faça já a sua reserva. Sob pena de descurar a cultura genérica de suas filhas e filhos.
(foto: insígnia das enfermeiras da Cruz de Aviz)
Monday, May 01, 2006
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