Sunday, January 27, 2008

poema de Rogério Rôla para mim

(quando se tem amigos que nos escrevem assim até se fica gaga)


DESCOLAGEM


Como eu gostava de me elevar

na ponta dos pés quando me abraçavas

e pendurar-me ao teu pescoço.



Sorvia -te os olhos a voz e os lábios

e a tua nuca voava mais alto

como aeronave que toma outro rumo.



Eu ia feliz seguindo embalada

a directriz da tua viagem

sempre pendurada ao teu pescoço.



Os calcanhares já não tocam o solo

cruzo a estratosfera o ar rarefeito

pendurada e rígida ao teu pescoço.


Rogério Rôla

Saturday, January 26, 2008

mangericão

















se este blog tivesse cheiro cheirava ao que cheira o frigorífico com o molho que comprei

msg in a bottle: Ângela Marques



preocupa-me qd te escapas
labirinto espuma

Friday, January 25, 2008

incipit

para aqueles que insistem iludir
aquilo que vivo isto que escrevo é
mesmo assim

so tender

ao ponto
às vezes
de ser
tão duro
não mais
derretermos

Wednesday, January 16, 2008

Ressabiadas




Talvez lá no fundo acredite
que os seres humanos são todos sensivelmente
os mesmos em toda a parte, mas então
necessariamente as mulheres são mais.
Costumes que frequentamos:
o arame da loiça, os panos dos pratos, os ganchos e as linhas
do estendal, a vinha-de-alhos, o fogão,
o alguidar, guardamos os restos, torcemos
os trapos, os nossos recados, os nossos sacos,
os nossos ovos.

Certamente que eles, em grande maioria,
escanhoam os queixos e gostam
de arejar, mas são médicos, polícias,
engraxadores, economistas
e os vários naipes da banda filarmónica
nós somos todas domésticas, mesmo

assim não nos entendemos, e
nem serve escrever isto
que o maniqueísmo em traços largos
resvala na aldrabice, e a poesia
vem dos anjos já se sabe
carecidos de sexo.

E aliás que me rala a mim,
levo a minha vida e tenho o amor
de que não desconfio
e se consolo o cio e a fome
decerto falo de cor,
nem é por isso que me doem os calos
mas por causa dos bicos
dos vossos saltos
no desnível dos soalhos, refinadas
galdérias que se tomam a sério,
pestanas certeiras e beiços
que brilham, línguas que estalam
e mamas que chispam

corada invoco a imagem mal tirada
da fêmea recortada ao macho que a conforma;
sei que desminto qualquer laço comunal
e seja como for ninguém pediu
o meu palpite, pelo que não me habilito
e me desquito, acinte
mudo, era eu

quem estava mal.

Sunday, January 06, 2008

Confio ainda



se sorrir até o coração ficar tão grande
que eu abra inteiramente os braços
e queira e deixe partir

Leitura de Janeiro

Saturday, January 05, 2008

Mosteiro de Odivelas

Oprimidas pela virgindade e pela pedra esculpida
da Rainha Santa, percorríamos a emparedada adolescência

e, como rezava a lenda, no nosso colo
o pão da merenda em rosas se mudava;
com elas engrinaldávamos o júbilo imperfeito
que o pudor cerceava.

Como lira a estridência dos nossos corpos
de sombrias raparigas, na argila mergulhávamos
as mãos que dilatavam as primícias do Verão
e éramos inocentes conquanto experimentadas
no ofício da entrega e da sujeição.

Iludindo as harpias que nos espiavam,
a amiga e eu trocávamos de mãos dadas
junto às grades interditas palavras,
boca a boca nos enlevávamos
no atrito do canto das cigarras.

Wednesday, January 02, 2008

O BRANCO DO CORPO

Sobre as paredes celestes do quarto
Um esboço de canábis a branco
As lágrimas a branco deslizando sob as lentes
O estômago a branco, retorcendo-se
O coração branqueado, vais deixar-me
Porque nunca sorrimos
Como um casal feliz.

Eu arrancava-te todo o branco do corpo
Para te ensinar a ferida.

Como sempre sento-me à beira da cama
O rumor de uma palavra não dita destroça tudo
Chama-me, morde-me, chora um pouco mais
Vem
Apesar de tudo não sei o que tenho e quero
Acariciar-te.

Rocío Silva Santisteban (n. Lima, 1963) - de Mariposa Negra, 1993

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