Thursday, May 19, 2016

As I Lie Dying



as minhas mãos vão ficar dormentes

e logo cessará o sopro. É líquido

o ar zumbe e um susto paralítico

nos cobre dum lençol turvo recente



calado o rouco corpo rijo e tudo

o mais quieto tudo tão decente

de cera o rosto tristes os parentes

urdida ardência pressentido absurdo



o rumo — tema tantas vezes tétrico

a tentar a escrita o hiato disto

e a luz efervescente além do atrito



onde não morre verme não se extingue

fogo. Na hora esperarei seguir

ansiosa no redor de pó e éter

Monday, May 16, 2016

Marinha

E depois é preciso chamar os amigos
para soprar os versos todos mas há dias
tantos que nenhum nos visita. Ligamos-lhes
ou não lhes ligamos estão fora noutras tarefas.

Separarmo-nos de quem fomos não tem
mal, enganarmo-nos de longe também
não será o caso. Críamo-nos as filhas,
trocámos cartas de madrinhas de guerra.

Eu esqueci-em de como engatilhar a bomba
no dia em que bebemos muito além da conta.
Lembras-te. Dos enjoos do mar à tareia
na tua juventude zangada? Do tempo

em que temíamos mais que nos descobrissem
a celulite do que as manhas? Das tenazes
façanhas — durmo sozinha no relento —
que nos trouxeram aqui pouco mais ou menos

firmes peladas enxutas e em excesso?
E do mar nos cabos soltos e o grande vento
o chicote nas velas e dentro treva era
e não era nada deste estilo, os versos

se vierem que liguem serão líquidos

Sunday, May 15, 2016

Carlos


A tua bicicleta é o terreno que os locais cultivam nas traseiras
As traseiras da tua casa dão para uma barreira clara
A casa acolhe em novembro as pinhas no fogão em maio as papoilas e a época inteira uma promessa de mar
As pinhas estão entre a terra e o fogo as papoilas cozem sementes que são escuras e curtas entre o feno que se ceifa no verão a foice está entre a morte e o pão o mar está entre a barra pintada aos pés da casa e o céu
O céu tem carradas de espécies de aves entre si e a lagoa
A lagoa borrifa os arrozais onde descem as aves e alguns gatos bravos espantam as traças
As traças são catalogadas com nomes por curiosos de frontais e máquinas fotográficas
As fotografias não fazem justiça à noite entre as traças e as estrelas
As estrelas são escorraçadas pelos frontais que atraem as traças
Tudo isto é circular e há ainda melgas aos milhares que mordem os clientes que não sabem que o sol cai com vingança no terraço entre o peixe no churrasco e a comida da Maria
A Maria faz muitas horas na cozinha entre o cheiro a migas fritas e as arrelias entre o dono e as travessas que a filha serve com arroz refogado entre os coentros e o caldo dentro das côdeas do pão de cabeça
A cabeça quer ser clara como a barreira atrás da casa
A barreira da casa é a norte o vale a sul o sol a nascente o mar a poente
O Melidense fica mais à frente na aldeia de quem sai para as praias
A praia que tu preferes são sete quilómetros a pedalar na bicicleta e além dos arrozais há dunas de grosseira areia onde passam só pescadores e tu entre os cardos as camarinhas e as acácias rasteiras depois das piteiras e dos alemães e dos caçadores e dos seus cães
Há um marco geodésico que é o teu destino e os cães atrás da bicicleta são um susto a aborrecer-te a solidão desde que passaste o cemitério o vale e as areias com os traços de jipes e cavalos e os pacotes e garrafas que acumula o tempo quase tudo tão deserto e quase muito pleno
Do deserto vês o mar e penetras primeiro os pés e o tronco depois do sexo a cabeça atrás e aí o roxo som a mansa trepideira das ondas e das rodas e até o latir imprevisto em cima do destino e entre o salitre e o feno e entre a morte e o pão e a natureza toda a morder-te a atenção até o sono quando a luz declina faz-te falta por terreno

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