(ias sonhando, bateste contra o muro
onde se lia com brilhinhos de ouro)
o primeiro eco nunca repetido
(foi ontem, ao fundo, o espelho elevado
do rio à rua dos lagares). Veio
donde? Mundo “templo de muros cheios
de emblemas, imagens e ditados
da deidade” – Emerson, e o crivo
peneirado em Baudelaire – “La Nature…”
ah, floresta de andaimes, graffiti vivo.
Fazer o quê? esperar na tradução.
Esquece o muro, rouba o rio e o ouro
(à rua)
deixa em seu lugar a imitação.
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[Não sei se vêm
daí, mas compreendi a justiça dos nomes da rua dos lagares e do largo da graça
de quem desce, e para onde, ao meio-dia do domingo de ontem, a dita rua fazia
subir o rio como um espelho com uma cortina lavada pela luz do sol, tudo
transparente, lívido puro e líquido. Não fui só eu (se acaso me julgam dada a
halos epifânicos, direi – até vinha da missa), que achei um milagre, também um par
de turistas ao frio ali ficou especado, alongando uma pronúncia estrangeira na
exclamação de Meu Deussh!, assolapados de beleza, os físicos imobilizados
por essa estupefação espiritual que se diz awe em inglês, e em francês,
por uma vez mais lhano, bouche bée. Penso que me aparecem poemas por duas razões:
para alterar a vida, como chicote elétrico de alergia às coisas, ao nosso nojo
e dos outros, por uma espécie de repulsa da inanidade, da malícia e da
fealdade, ou então para passar a mais gente o que precisamente vai passar e a
que queremos voltar, queremos gravar para mostrar e mitigar a maioria do quotidiano
que é a prisão e a invalidez. Foi isso que quis fazer com “foi ontem ao fundo o
espelho elevado / do rio à rua dos lagares”, que provavelmente ficaria melhor
sem vírgulas, mas já era outra coisa, ora, não tem a pontuação ocidental que
distanciar sempre a ideia da escrita, pode fazer respirar o relato vivido. Ou
seria então a outra pulsão do poema, querer alternar por dentro a rebentação da
luz, embebendo-se até à vertigem de se afogar dela?
Como na
realidade, o sonho. Sonhei realmente (não foi ontem, há muito tempo) que via um
muro onde estava escrito um poema, e eu lia-o mesmo, era sólido e magnífico, não
estava de carro, estava a pé numa espécie de baldio aquintalado (o “dirigido” e
a impressão de choque são o acidente a entrar no poema, os dias últimos em que estampei
um automóvel e perdi a carteira) e sabia que era um imperativo impossível levar
o texto do sonho à vida. Iria acordar e querer ficar no sonho até me (o)
incorporar. Juro até que sonhei tudo isso antes de ler o ensaio “The Poet” de
Emerson, onde Baudelaire foi enxertar os versos de Correspondances (também
Melville lá terá bebido para Bartleby, “os muros circundantes, de
espantosa espessura... o carácter egípcio da maçonaria pesando soturnamente,
... e um só tufo de erva a crescer por baixo dos pés... por estranha magia,
pelas brechas, forragem esparsa caída quem sabe de pássaros, por onde parecia
brotar o coração das pirâmides eternas”). Não juro que no sonho as letras se
douravam, aí terá sido a tentativa da transcrição a lembrar-me de Quental:
“Abrem-se as portas d’ouro, com fragor... / Mas dentro encontro só, cheio de
dor, / Silêncio e escuridão – e nada mais!”
Todos os homens a quererem apanhar o poema. O que este faz à experiência
ou ao sonho deve fazê-lo a tradução ao poema. A mesma coisa, com o acidente, se
for para mudar.]
2 comments:
Fantástico.
a leitora mais rápida do Oeste :) deixei umas notas ao poema.
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