DIA DO TRABALHADOR,
em feliz sintonia com o aniversário natalício do blogger Camarada D aka Alexandre Dias Pinto. Parabéns, portanto, para todos nós.
Sunday, April 30, 2006
Thursday, April 27, 2006
Pequena provocação
Desconfio, Tolstói, que não nos estávamos a entender:
Deixei que me pintasses por ter lido algures
não ser raro o artista tornar-se o retratado
mas cedo admito surpreendi em mim os teus trejeitos
que eu era um modelo às tuas poses obedecia inclinava-me
consoante me olhavas abstraía-me quando diluídas
tuas pupilas na função de me não veres erecta não havia
qualquer desejo entre nós eu simplesmente morria
no fim sabias disso desde o início eu sem qualquer mansidão
devo dizer-te esperei que mudasses de ideias não consegui
jogar contigo seria aliás delicado não me teres matado assim
como no início mas ias lá defraudar tão fáceis auspícios
prevendo homem cruel de antemão entre todos que jamais
me escreveram o deselegante desfecho meu corpo
de mulher perdida ao assalto da locomotiva os braços ao acaso
não balançavam já quiseste partir-me e veres de que me fazia
tiraste-me um filho tiraste-me dois deste-me mais que um homem
e sequer em troco te ocupou montar-me passe o obsceno chiste
achaste que devia perder-me mas foi quando comecei a cansar-te
e todos os sobrenomes e o espírito e as relações que me atribuías
fruto de um complexo sistema linguístico polida a falsa
intimidade nada daquilo me dizia tal como os meus olhos
repara não foram nunca escuros e tão pouco coruscantes
que o magnetismo é coisa de animal eu queria
ser pessoa sem disfarçados cordéis sem truques eu queria
tréguas mandava às urtigas o teu romance eu queria
a verdade ao passo que tu com critério julgavas escolhias
o tom pastel que melhor me assentava e dizias são escuros
enquanto eu para variar tentava ver-me no teu papel e claramente
te fixava custou tanto que não pude desistir e afinal depois
de tanto esforço entendi absolutamente nada eras quem
me lias e eu quem não existia e esse enjoo
da fêmea em que se entra e a outro voo é interdita já então
eu definhava sob tua pena hirta pouco fui
capaz espreitando por teu ombro de corrigir-te a mão
bom seria sermos quites porém ainda não em paz.
Anna Karenina
Monday, April 24, 2006
Saturday, April 22, 2006
Friday, April 21, 2006
O papel de parede amarelo
Descobri realmente qualquer coisa enfim.
De tanto o observar à noite, quando está constantemente a mudar, eu enfim descobri.
O padrão na superfície move-se de verdade – e não admira! A mulher por trás abana-o!
Às vezes acho que há uma quantidade fabulosa de mulheres por trás, e às vezes que só uma, e que gatinha velozmente em redor, e ao gatinhar abana aquilo tudo.
Depois, nas manchas muito brilhantes fica quieta, e nas manchas muito na penumbra agarra-se às grades e abana-as com muita força.
E está constantemente a querer trepar por ali. Mas ninguém seria capaz de trepar por aquele padrão, que estrangula de um modo tão brutal; acho que é por isso que tem tantas, imensas cabeças.
Charlotte Perkins Gilman in “The Yellow Wallpaper” (1892).
Saturday, April 15, 2006
Se não há partilha,
o artista é quase tão aberrante como um padre que celebrasse a missa só para si.
Adília Lopes (citada hoje, no Mil Folhas, por EPC)
Adília Lopes (citada hoje, no Mil Folhas, por EPC)
Female roles #1 (ou a goma nos naperons)
MORRE COMIGO ESTE SEGREDO
faz-se a renda juntando os quadrados
em fiadas, uns que se abrem e outros
que se fecham, é fácil mesmo de olhos
vendados, como agora nesta casa
onde vivo emparedada entre lágrimas
crónicas de cataratas e os ratos
que me atacam as crostas do telhado,
esta casa onde nasci e onde hoje
só a morte espera ainda que eu
já não espero nada, sepultado
o pânico da vida sem eventos
durmo de um só sono à noite com
os meus medicamentos e a Bíblia
à cabeceira, no canapé a colcha
por acabar que é para o enxoval
da filha da afilhada – tantas vezes fui
madrinha no altar, até dos manos
que vinham de visita aos domingos
mais as cunhadas prenhes e ufanas
sem saberem felizmente que a vida
que me não quis amada me fizera
amante insana em tempos pubescentes
nessa época antiga do recente
mênstruo empolgando os animais,
mergulhando-me e às amigas no
mistério das regras mensais do corpo
ainda irregular, nesse outro tempo
dizia em que um estrangeiro me apartou
das alegrias do gineceu e me deu
a conhecer o intranquilo apelo
que com desconforto rompeu
o retráctil selo do meu sigilo—
e porque ainda em flor fui desflorada
nunca mais quis eu o amor nem ser
casada, e portanto que escarneçam se
quiserem as cunhadas cobiçosas,
levem-me os móveis mas deixem-me a casa
onde fui nada e fui criada que sem
a deixar nunca me valeu o ganho
das rendas que me pedem de encomenda,
e em tudo o mais levo eu vida piedosa,
cumpro os ofícios na missa e recolho
o ofertório finda a homilia;
só eu sei da lingueta do ferrolho
onde fulgem as jóias da família.
Thursday, April 06, 2006
La Belle Dame Sans Merci
CANÇÃO
Em minha sepultura,
ó meu amor, não plantes
Nem cipreste nem rosas;
Nem tristemente cantes.
Sê como a erva dos túmulos
Que o orvalho humedece.
E se quiseres, lembra-te;
Se quiseres, esquece.
Eu não verei as sombras
Quando a tarde baixar;
Não ouvirei de noite
O rouxinol cantar.
Sonhando em meu crepúsculo,
Sem sentir, sem sofrer,
Talvez possa lembrar-me,
Talvez possa esquecer.
Christina Rossetti, tradução de Manuel Bandeira; a pintura tem o título do post e é do pré-rafaelita Cowper.
Tuesday, April 04, 2006
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