"A Avenida Almirante Reis, eternamente cinzenta, pluviosa e triste ao sol de Julho, balizada alternadamente por ardinas e inválidos, trotava na direcção do Tejo entre duas gengivas de prédios cariados, como um cavalheiro apertado em sapatos novos para a paragem do eléctrico. Industriais de olho alerta impingiam relógios de contrabando nas esplanadas a que os engraxadores, acocorados em penicos de tábuas, conferiam uma dimensão insólita de creche. Em cafés gigantescos como piscinas vazias desempregados solitários aguardavam o Juízo Derradeiro em frente de galões imemoriais e de torradas terciárias, congelados em atitudes de espera. Salões de cabeleireiro habitados de baratas propunham às donas de casa em mal de imaginação soluções capilares imprevistas, a que retrosarias poeirentas dariam o toque final de soutiens de renda, mosquiteiros torácicos capazes de rejuvenescerem de erecções formidáveis vinte e cinco anos de resignação conjugal."
António Lobo Antunes, Memória de Elefante
.
2 comments:
Memória de elefante, realmente
manel
Detesto os blogs onde uma pessoa leva mais de uma semana a pôr poema novo, apre!
Post a Comment