Wednesday, December 17, 2008

O raio do pombo

já chocou três vezes, hoje, contra a minha janela. O gato está há horas de bigodes afiados e focinho húmido colado ao vidro. Só por causa disto, até deixo aqui um inédito que eu acho que é do Fradique Mendes - quem quiser confirmar, vá ao espólio de Jaime Batalha Reis, na Biblioteca Nacional, caixa 55, documentos 15.2 e 15.3. Entre parêntesis rectos, coisas que não se percebem bem na caligrafia. Podem comparar à vontade com o Corvo do Poe. Ou com o Gato Preto. A mim não me rala nada. Sou só um bocadinho supersticiosa.

Quando virem minha pomba pelos campos pela eira
Negra, negra como um corvo azulada e luzidia
Não lhe atirem, não a matem, não a prendam que seria
Para mim ficar dormindo sem a minha companheira.

Há três anos e três dias que eu com ela vivo só
Há três anos e três dias que indo ver nascer o Sol
Ao findar duma elegia do nocturno rouxinol
Uma pomba na janela veio olhar-me a mim com dó.

Eu não sei se foi tristeza se prazer o que senti
Sei que os olhos negros tristes, compassivos, dolorosos
Ao fixarem-se nos meus doloridos lacrimosos
Me lembraram as saudades dum passado que perdi.

Costumava eu pela noite na janela do nascente
Esperar que a luz viesse colorir de azul o Céu
De maneira que no dia em que a pomba m’apareceu
Cuidei ser da noite a imagem junto a mim sempre presente.

Desde então que a pomba negra nunca mais, na natureza
[Sombra vã duma] saudade me deixou um só instante
[Vai às vezes] pelos campos a voar sinistra errante
Para vir junto da casa considerar-me com tristeza.

1 comment:

observatory said...

o gato com pelos no peito :)

tenho 3 mas as minhas....

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