a uma existência de papel
e eis que é chegado o fim
como uma pedra que se suspendeu
e depois pousou no chão vencida
vencida pelo cansaço de querer mais
do que uma simples pedra pode querer
esta pedra, que josé ferreira gomes conhecia,
que ele próprio atirou contra a noite e o dia
no jardim que era, afinal, todos os jardins
que ele próprio comeu, depois do pódio do chão,
como uma sombra demasiado sombria
que ele próprio supôs como a palavra.
e eis que me dou conta que existo rodeada
de palavras e de pedras caídas - ou anjos em
falência.
não sou homem, e a uma mulher é mais difícil
viver só com as palavras. e quando digo só é só que digo.
esta vida a meio-gás, o JL no braço,
a mesa na esplanada de inverno e o cigarro, até esse,
a apagar-se até ao desnorte.
todo este frio de olhar em volta
e não ver a estrela nem a graça
de não ter uma única casa - uma única casa - branca
nas ruas desta ferida.
de olhar em volta, o centro comercial - o centro,
como esta palavra poderia ser bela - a trazer-me
os outros como uma paisagem sobre as folhas do jornal.
no centro comercial há tantos casais
que se amam como um padrão de pombos - ali, agora mesmo, um homem de bigode
e uma mulher de seios descaídos -
também os seios caem como as pedras suspensas - também os seios -
amam-se com a facilidade com que viro
as páginas do jornal e abandono os temas desisteressantes.
meu deus, faz com que eu tenha os seios descaídos
e dá-me um homem de bigode que me leve a passear no centro comercial.
não quero um amor maior do que o amor possível,
a lição dos livros - esta inqueitação - esta grande inquietação -
cansei-me de amar rodeada de palavras
e de vento e de nada
alguém que não vem mais.
levanto-me da mesa do café,
puxo a gola do casaco para cima,
prendo o cabelo
e vou para onde não sei.
Ana Salomé
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