Monday, June 10, 2019

Frases feitas sobre Agustina - agitar antes de consumir

Agustina foi pouco lida? Andei a tentar ver a história dos currículos de Português do ensino secundário. Se existe, não está lá muito acessível, embora se me afigure como matéria importante para os nossos historiadores de literatura portuguesa e estudiosos de educação nas Humanidades. Em todo o caso, quer-me parecer que Agustina fez parte de um conjunto de escritores relativamente contemporâneos (com Torga e Sophia e Sttau Monteiro) que entraram nos programas do secundário como consequência das renovações curriculares após o 25 de abril. Não sei ao certo quanto tempo foi A Sibila leitura obrigatória, mas palpito que pelo menos un quarto de século desde 1980. Pelo que percebo, Agustina pode ainda ser estudada hoje, tem Fanny Owen em alternativa, e há dois livros infanto-juvenis seus recomendados para o 2º e 3º ciclos. A grande maioria da população só terá lido o que lhe foi impingido - estou a ser otimista, talvez também paternalista, mas diria que Agustina levou aí algum avanço. Além de que as adaptações das suas obras ao cinema (mesmo que Manoel de Oliveira não seja de massas) e ao teatro (La Feria já será mais popular) terão ajudado a criar burburinho em torno do seu nome na hora da classe média fazer a sua compra da feira do livro ou adquirir prendas na Fnac.

Agustina foi destratada? Estive a consultar o palmarés e creio que Agustina ganhou todos os prémios possíveis a nível nacional e teve a sua quota parte de dignas homenagens e esforços para divulgação no estrangeiro.

Agustina foi esquecida? Além de Lobo Antunes, e Saramago quando era vivo e pouco depois de morrer, não me lembro de outro(a) romancista a aparecer com tanta regularidade com comentários, entrevistas, alusões na imprensa (hum, talvez Gonçalo M. Tavares). Nem nos dez anos últimos em que Agustina esteve retirada por enfermidade, a frequência foi assim tão menor (considerando que não houve propriamente novos originais).

Agustina é difícil? Aqui me retrato desde já, arrolando-me com a horda de publicanos que devia ficar caladinha por ainda não ter lido suficientemente Agustina. Li A Sibila e li O Concerto dos Flamengos. Quero ler mais. Concedo que a palavra esteja a ser usada no sentido de "difícil de engolir" e penso que Agustina é grande por ter a coragem de nos mostrar lados para que preferíamos não olhar.  Já em termos de linguagem, pela amostra, sendo um exemplo de escrever com exuberância e inteligência, Agustina não procurou a complexidade de uma Woolf ou o experimentalismo de um Faulkner (há uma parte de desejo de ser acessível à leitura pelos comuns mortais cultivados que é aliás bem apreciável nela, ao contrário dos mais herméticos), nem finta com as navalhadas tortas e ariscas de uma Maria Velho da Costa.

Agustina era a nossa grande romancista viva? Terá sido a primeira das grandes mas, sem desprimor, julgo que acabo de nomear uma que nos mereceria todo o reconhecimento enquanto ainda está entre nós, embora também ela, ao que sei, retirada e doente. Felizmente, até nem essa será a última das moicanas.

[Adenda: este post tem sido ligeiramente retocado, procurando a justiça com o que se sabe bom e se conhece mal.]

No comments:

Blog Archive

Contributors