Wednesday, October 28, 2020

Fábula, de Rui Costa


Não mãos deste último homem

em que firmei exaltação e prodígios 

de onde obtive música e depois silêncio

e com quem passamos a vau a névoa

depositei o teu livro póstumo, ele

abriu-o em voz alta e tu cantaste

uma fábula que nos contava:

o sermos na noite o que o dia

mal aguenta porém persegue;

e as cobertas e os céus e as vozes

não serem exatamente corpos circulares

como tantas vezes supomos às voltas

do que fomos — esse campo resistindo —

antes parábolas testadas pelo tempo

também cordas elásticas em mira ao 

que traçaste muito lá atrás ao ponto

onde a noite e o dia se transformam

e atingem às vezes diferente espectro

de flutuante fogo – e se te sentimos

apesar de não podermos garanti-lo —

folga para nós

um pouco o batente do horizonte.

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