A arte de perder não custa treinar
dizia a Bishop, dolorida e ébria.
Também eu posso enumerar:
três portáteis por furto
ou oportunidade de perda, um
que apanhou sopa de pessoa
ao lado num avião
e ainda durou anos a fazer
um som de queimado
até que expirou num urro de fumo.
Dois que caíram ao chão
pela jarra que o gato derrubou
(não o que também perdi
pelo telhado).
Foram oito até à data, vidas
de ficheiros, assanhos, afagos
e fotografias risqué
de margaridas despidas
Papéis sem conto, livros, capas
trocadas de discos, um kindle
inteiro dentro da mochila
que ficou no passeio e o carro
arrancou. Máquinas (sabotagens
de um excelente feriado). Um fato
de banho e toalha num restaurante
depois do mar recentemente. Que mais?
Carteiras, notas, telefones, diários
de bordo, bilhetes
e cidades. Universidades.
O fim da tese. Anos.
Molhos de chaves, portas
e cartas que deixei de abrir.
Óculos, bronzeador, cabelos
pretos. Versos. Prendas, pior
coisas que me emprestam
ou perdidas por terceiros
nas minhas propriedades
(as que restam e desleixo
da fartura, ares de
olímpica distraída).
Paixões que sofri, homens
os mortos que devia
poupar à lista
por não haver comparação
ou nesga de regresso.
O pudor e o perdão próprios
para ser justa
a face.
(Não deixa de ser questão
de músculo ou nervos, a palidez
convocada ao susto, ciclone
de ácido.)
Paradoxalmente, uma bicicleta verde
alface, nova, em folha
cromada, ágil
de mudanças, roubada—
tem-me levado
a procurar na Graça
entre o arco e o panteão
entre os trapos e cacos que vêm
na canção
recôndito, solar e sujo, sujo
o passado a preço de refugo.