Saturday, July 20, 2019

Carta aberta do Dr. M. Lutero a respeito da Tradução 

Pois que tenho sido eu, senão almocreve? Levo
e trago
(Paulo Quintela)



aplicava-me a avivar os colóquios dos apóstolos
com Jesus a encher o coração até à boca subir
e usava um nome que não era o meu. Trajava
como um cavaleiro do castelo e vinha ouvir
o que falava a povoação e conta-se que tirava
especial prazer no engano de perguntar por mim
se me apanhariam, entregariam ou tirariam a vida
sem consequências. Não era, senhor, total malícia
tão só que no refúgio de Wartburg à secretária
em diálogo espiritual preparando o traduzir eu
abjurava e mesmo me imaginava perjuro até
aí porquanto convinha a suspensão de existir
e a excomunhão me abaulava o embuste
do ego e permitia ser medium de só escritura
e só a fé, allein durch den Glauben (além doura,
grande alba) — contanto passasse o original, eu sei
(e todavia menos bem) sem sola — lá só
se prezava até aí o que media a lei, obras
letras mortas.
E tudo isso pretendia Ele
ou Jörg (ou quem és? tu? chamas? “Ninguém”),
consertar em favor do que me contavam
dizia também sola scriptura, mas era
em bom rigor como Deus se tentasse falar como
um povo que se entendesse (sem o reconhecer
acabaram por usá-lo) — aquele rouco vulgar
de campos, o agreste sobre a prece, o rumor
de mães, os rudes rapazes tratando com almocreves.

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