Sunday, July 14, 2019

O que ele pensou





Tínhamos uma coisa para fazer na Itália
e, cheios da impressão de nós
próprios (essa sensação de sermos
poetas da América), lá fomos
de Roma a Fano, conhecer o presidente
da junta, desenvolver
uns quantos assuntos (o que é
cheap date, perguntaram, o que é
flat drink). Reconhecemos, entre os letrados

italianos, os nossos congéneres:
o académico, o apólogo,
o arrogante, o temerário,
o apaixonado, o catavento — e havia um certo

delegado (o conservador), de fato
de cerimónia cinzento, que parecia um bom guia
com passo ponderado e timbre lacónico narrando
histórias e vistas por onde nos carregava a carrinha.
De todos, era o mais politico e o menos poético,
ao que parecia. Nos poucos dias restantes em Roma
(fugidos todos os Bardos do Novo Mundo menos três)
achei um livro de poemas escritos
pela desinteressante criatura; estava
no quarto da pensione (que ele recomendara)
onde fora talvez abandonado pelo
tipo da Alemanha (teriam eles um autocarro?)
a quem o dedicara e datara de há um mês.
Eu por sinal também não lia italiano, pelo que devolvi
o livro ao escuro do armário. Nós os últimos Americanos

devíamos partir amanhã. Então para a noite de despedida
o nosso anfitrião escolheu um restaurante do tipo familiar
onde nos sentámos à conversa, nos sentámos a comer,
até que, ao dar-nos conta da nossa última
grande oportunidade de sermos poéticos, de deixar
marca, um de nós perguntou
                                                “O que é a poesia?”
É a fruta e os legumes e o
mercado do Campo dei Fiori, ou
aquela estátua?” Como eu era

o cata-vento, descobri logo
a solução, sem ter de pensar — “A verdade
é ambos, ambos” regurgitei. Mas isso
era fácil. O mais fácil de dizer. O que se seguiu
ensinou-me algo sobre a dificuldade
pois o subestimado anfitrião tomou então
de repente a palavra, com crescente paixão, e disse:

A estátua representa Giordano Bruno,
que levaram a queimar na praça pública
por via da ofensa que fez à
autoridade, quer dizer
à Igreja. O crime dele foi ter crido
que o universo não gira em torno
do ser humano: não ser Deus nenhum
ponto fixo ou governo central, antes
se derramar em ondas através das coisas todas. Todas
se movem. “Se Deus não é a alma em si, Ele
é a alma da alma do mundo.” Tal foi
a sua heresia. No dia em que fizeram
que marchasse para a morte, temiam
que incitasse a multidão (tinha fama
a eloquência do homem). Por isso os captores
colocaram-lhe sobre a cara
uma mascara de ferro, ele de trás

não podia falar. Foi assim
que o queimaram. Foi assim
que morreu: sem uma palavra, frente
a toda a gente.
                        E a poesia­—
                                         (já todos nesta
altura tínhamos pousado os garfos, para ouvir
o homem de cinzento, e prosseguiu
em voz baixa)—
                        a poesia é o que

ele pensou, mas não disse.


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