Saturday, December 24, 2022

How do I love thee


Quero bater no teu corpo como

o sol como no mármore o pão

se embola e cobre sob fofo pano

e vai a forno baixo a minha cona

 

quer-te dentro rude húmido lêvedo

montar-te giratória como clara

no castelo como nata sob vara

como treliça ou renda ou vereda

 

veloz ocelada amplamente leda

e tortuosa. 

Pensar que assim

faço ondas avolumando enormes

 

amantes verdes fortes. Impossível

que não te alague desse lado a noite 

e te levante aí onde tu dormes.

Friday, December 23, 2022

GERTRUDE


Como eu dizia amar

escutar ouvir constantemente

todo o repetir o chegar

a compreender completamente

alguém é para alguns certo

natural modo de ser.

 

Ora isto é mais a descrição

do sentir que aspira um(a) assim,

ora isto é mais a descrição

de como ouvir o repetir

chega a formar a completa

compreensão

 

ora isto é mais a descrição

de como ouvir o repetir

logra alcançar completa

compreensão. Ora isto é mais a

descrição de como repetir

lentamente chega a formar

em cada um(a) a história

completa da gente.

 

Conheço muita gente cada

vez mais e mais conheço a

gente toda a repetir ouço-a

mais e mais compreendo sempre

mais como completa história

dentro.

 

Toda a gente com seu completo

ser dentro. Há quem seja género

de homem e mulher. Há quem lá

dentro seja muitos géneros

de homem e mulher. Lentamente

isto vem, algo evidente vem

dele/as. Sempre vem, dentro

dela/es. Sempre vem, como algo

a repetir dentro da gente.

 

Então, para totalmente

compreender isto repetem

continuamente é tudo nela/es.

Seja quem for que veja então

o/as compreende. É um prazer

para quem ame repetir

quando em alguém o firme

repetir conta outra vez a história

completa desses seres.

 

É uma grande satisfação

para tal gente cujo talento

é amar repetir e completa

a compreensão

 

Como eu dizia às vezes

alguém causa desnorte.

O repetido ouvir da gente

não forma o ser completo tido

nela em ninguém. Tem vezes

passam-se anos ouvindo

repetir um(a) assim, o ser

da gente não é completa

história para ninguém aí

que ouça. Tem vezes então

 

que vem de lá dentro repetir

mais alto. E, se era pouco claro

sem ter quem escutasse, então

é como total ser para quem

escute o repetir que vem

assim de alguém.

 

Como eu dizia

amar escutar

ouvir sempre tudo repetindo

alcançar compreender em absoluto

alguém é para alguns certo modo

natural de ser.

 

Ora isto é mais uma descrição

do sentimento que contém

alguém assim

ora isto é mais uma descrição

do modo como ouvir repetir

alcança a absoluta compreensão.

 

Isto é mais uma descrição

do modo como repetir

devagar alcança fazer de alguém

absolutamente a sua história.

 

Como eu dizia

amiúde anos e anos 

alguém provoca o desnorte.

 

Então isto agora 

é uma descrição do ser

amando o repetir de certa gente.

Então isto agora

é uma descrição de ser

singularmente amando repetir.





Wednesday, December 14, 2022

AGOSTO

 Quando as maduras amoras

balouçam nos bosques, nas silvas

de ninguém, passo 


todo o dia nas ramadas 

altas, a esticar

os braços arranhados, a pensar


em nada, a encher

de mel negro do verão

a minha boca, todo o dia o corpo


aceita o que é. Nos escuros

ribeiros que ali vão há

a pata peluda da minha vida célere 


entre os sinos negros, as folhas; há 

esta língua alegre.


Mary Oliver

Tuesday, December 13, 2022

Totem

 

A máquina está a matar a trilha. A trilha é de prata.

Estende-se no horizonte. Será comida não obstante.

 

É infrutífera a sua corrida.

Ao cair da noite há a beleza dos campos submersos.

 

A aurora doura os agricultores como suínos,

oscilando ao de leve nos fatos espessos.

 

Perfilam-se as torres brancas da feira do gado,

Com ganas de sangue e pernis suculentos.

 

Não há piedade nas centelhas dos cutelos,

Na guilhotina sibilante, o açougueiro: “Quer assim?”,

 

No alguidar aborta-se a lebre,

E já não estorva a cabecinha, toda temperada.

 

Esfolada do pêlo e da humanidade.

Comamos como a progénie de Platão,

 

Comamos como Cristo,

São pessoas que foram importantes —

 

Seus olhos redondos, os dentes, a carantonha,

Um pau que chocalha e estala, serpente de brincar,

 

Poderá o capuz da cobra espavorir-me—

A solidão de como olha, o olho das montanhas

 

Por onde passa eternamente o fio do céu?

No mundo o sangue ferve, levado a peito

 

Diz a aurora, com as veias abertas.

Não há terminal, apenas bagagens

 

De onde, como um fato, espreita a identidade

Velha, calva, lustrosa, com bolsos de desejos,


Noções, bilhetes, curto-circuitos, espelhos dobráveis.

Sou maluca, grita a aranha, e ondeia os muitos braços.

 

E na realidade é terrível,

Multiplicando-se nos olhos das moscas.

 

Zumbem como meninas azuis

Em teias do infinito

 

Cujo remate final cabe 

À única morte cheia de pauzinhos.


Sylvia Plath 

Friday, December 09, 2022

WINNIE

 I

agora atravessamos a terra de ninguém dou-te

a minha mão penso com uma dor

que sobe desta claridade fria das axilas à cabeça

amo-te e temo o estrépito o anel do som

a combustão do mel na garganta

 

II

demorámos muito tempo para nos abraçarmos sob o céu

de cinza o céu sem noite onde uma escotilha traz pouca chuva

deitados no chão ao lado do meu monte a cabeça no declive

e os pés agarrados às costas debulhamos sucessivamente

o rigor dos prazos finais cronologicamente

pergunto seremos imortais

 

III

Um dia a mala abre-se a casa cai

estendidos por todo o deserto

tu e eu atiçaremos as estrelas




Tuesday, November 08, 2022

E agora para algo realmente

 houve uma altura em que este blogue teve um infante fictício. Aqui participa a pessoa crescida:

https://omny.fm/shows/perguntar-n-o-ofende/alice-leonor-e-ideal-at-onde-tem-de-ir-o-ativismo



Saturday, September 17, 2022

Fado Isolda

 Eu amante, ele marido e vice-
-versa. Era como olhar um aquário

dormir com seu corpo imaginário.

Igual divertimento colorido,

retro-iluminado. Confundido

o afogo por afago, a sucção

pela agulha, a linha pelo dejecto,

a guelra, a guerra, a cobiçada taça

pelo lago, um coração, uma bolha,

minha cinta casta, delgada caça,

centro de espada de rota bainha,

bomba por onda, movimento boto

no espelho da água, a maga, a rainha

num enleio de alga, raia, varinha

e o nefando derrame do cálice

dourado, vermelho, o pobre palhaço

boiando de lado, afinal morto.

 

Era nostálgico como um aquário

ser amada por Tristão da Cornualha.

 

Igual entretém de loucos:

esperá-lo partido em bocadinhos

ou ver empardecer os flocos

de que à tona desistem os peixinhos.


A Repetition of "Tristan und Isolde", 1896 - Aubrey Beardsley - WikiArt.org

Sunday, September 11, 2022

[na cabeça do sonho:] RC

Bem que demoraste e apareceste afinal 
num sonho.
Sabendo que acabaria
esperávamos-te em tua casa.
Chegaste, cumprimentaste, disseste-me 
obrigada
e que não querias tirar-me os olhos 

do livro mas dormiste no meu colo, depois 

começámos e pediste-me para contar tudo 

o que sentia 

eu disse: não faço verso, sou primitiva, gemo

e tu riste-te muito largo, paraste, sentaste-me sobre ti


mais nada, tinhas a tua decisão

na tua grande cabeça, no líquido do olhar

uma mancha contaminante

como numa foto aérea — eu queria virar-me 

contra tu te vires

era absurdo porém não teres vindo 

para me disciplinares

depois comemos na tua presença

uma última refeição, eu ao acordar

ainda brevemente fiz confusão – a manhã 

em que não mergulharas.

Sunday, August 21, 2022

Janela de emergência

quebra antes

que se exija um plano

de prestações de deveres de férias de escalada 

de violência

ou danos a terceiros

ou nos lesem ao apanhar-nos despidos e tocados

ou nos passe pela cabeça ser exemplo

contrapoder

ou símbolo ou eternos ou anteriores

 

antes

que demores teus olhos brilhantes na minha aparição

e eu não mais fugaz

imprevista entre 

monótonos um desleixo

entre meticulosos desça

na condição de antes

quebra

 

se te anuncio à noite meu mergulho no tanque 

semi-fluorescente espaçoso azul

nas traseiras de onde dançam os convidados da boda

esperando que vejas o desejo de que me sigas

no porte cerimonioso 

com que esfarelo migalhas no deserto

enluarada pela hipótese de isto ser perene

 

quebra

neste estado altamente inflamável

do mundo-mina fóssil esta paixão

antes que isto estoure

e termine numa questão de tempo 

aquém de agapé

ou outro escalão grego menos eufórico e efémero

ou seja cinza (e se for fértil?)

 

quebra antes

que te convide por uma trilha

entre penedos e quase extintas feras

e nativos sabedores da seiva e suas beberagens de selva

ou viagens entre estrelas regressivas

até quando eu a fonte e tu o fogo que germinam

no ingresso do universo 

e receio digas não

amo-te quebra

 

antes de me ser pesado rodar as pétalas 

constantemente para o teu foco

me seja impossível rimar pólen com éden

se alumiem os cometas do sofrimento

ou eu acumule rancor 

irrazoável pelo que falha

quebra

 

e vai

com a nossa queimada (ou se for arável?). 

Wednesday, August 17, 2022

Sharon Olds


Torno a ler-te num aterro e destapo

num soluço o alçapão de mim;

a saliva de mistura com areia

e memória contorcida, vesga

de confuso incêndio, tantos anos 

 

de que falavas quando dizias

coisas impertinentes para o amor

ou perras aberturas, como na mãe

sob escrutínio, inepta, semi-filha?

a vulva descerrando o pai sempre

um penetra solar, um assassino

 

arquetípico – claro, como não

arder com tal incorrência em ira

de abuelos, penates, dos dueños

geradores, maria e jesus, seus

dois progenitores, a natividade

traficada, solene, porta-a-porta?

 

a santa arreganhando letras, lábios

nas cócoras de uma rapariga pu-

lando como uma fera ao ego torto

de eros consanguíneo, as confissões

todas e assim eu, em teus humores

manchei-me, conivente, eu medi-te

 

digitei-te e traduzi-te e lamento

do teu cofre ter tirado tão menos

do que preciso para ser da falta

salva, dizer uma palavra cheia

de ponta, enxofre, perdimento explícito.


Sharon Olds, America's Brave Poet of the Body ‹ Literary Hub

Monday, August 15, 2022

Pátria

            a começar por Auden e a acabar com Adrienne Rich                       

Do sofrimento pouco nos 

enganamos

sobre seus mestres mas se

desvelos

temos e assistência lhes 

prestamos

com impotência de deixar de vê-los

 

morrer penso 

que espécie esta 

ao centro 

se é única a marcar combate

para “limpar a honra” (que é?) e 

parte

para um duelo como um sacramento

 

e escolhe padrinhos árbitros 

tércios

ternos laços luvas balas 

fuzis

e quantos passos alvos de

batalha

e calibrados danos de civis

 

(a jura da bandeira deferida)

se são armas seu maior 

comércio

se é a que mais morre a que 

mais mata

por coisas como um marco 

de país 

 

tua nativa terra, a tua vida.

Saturday, July 02, 2022

[na cabeça do sonho:] gatinhos & cataratas

 A minha amiga mais antiga tinha uma ninhada de gatinhos. Não podia ficar com todos mas não se queria desfazer de nenhum, seriam uns oito. Íamos à veterinária e eles escorregavam-nos das mãos, além de que tinham de ser emergidos cuidadosamente, porque não, não os queríamos afogar. Depois estavam todos numa gaiola num parque de estacionamento e aguardávamo-te. Vinhas com o teu filho connosco à Serra da Estrela. A tua mulher acompanhava-te, estava mais robusta, de verde, beijava-te de despedida. O teu filho queria um dos gatinhos, eu intercedia e íamos escolhê-lo, mas um esgueirara-se e caíra por uma catarata que era, ó Hollywood, o Niagara.

Sunday, June 26, 2022

Fala do garçom que serviu a dobrada ao engenheiro

 O amor, púzio na mesa

mas arrefeceu enquanto o senhor escrevia.

Thursday, June 23, 2022

Nota sobre a experiência do eterno

Antes de tudo atende: sei amor
nos cinge nos liberta ao mundo assiste
e intima a eternidade entrevista –
mas tenta vir se chamo por favor.

Entende: não me julgo calculista
nem tanto me comove a matéria
mas já me tisna o excesso de mistério
do fogo e da alma halterofilista.

Quero-te: nem só para seres cama
denodada, nem mesmo a todo o dia
toque, mas eco, acordo dessa chama

quando arrefece, importa, se aprecia.
E mais: se acode à alma pouco o céu
é de não ter um corpo a entrar no seu.

Monday, May 02, 2022

bonita questão

de uma aluna: será que a ponte entre duas pessoas é como a que temos com lugares que nunca visitámos? 

Saturday, April 30, 2022

pequeno angor

cansada da poesia que morre a cada poema para voltar a morrer no próximo. Tem de haver outra coisa além de se descer ao inferno de suspensórios.

Monday, April 25, 2022

Tresleitura

  

Questo seno darà buon latte alla nostra piccina 

Alda Merini

 

 

será verdosa com carpas splashs limos libélulas

a piscina de amor a haver lá atrás 

mau grado a efabulação as perdas

da idade do whisky das desoras da memória

dos melindres e das matanças à custa de uma ideia

ou a pago de armadores

Penso numa boia de líbido no fundo útero

e duas piscinas de criança a haver nos testículos

Seios que darão bom leite para a nossa piscina

praias a haver na maioria dos atos de conceção 

e em todos os atos de folgar certas trilhas da ira línguas

de areia mínimos arquipélagos nós 

e esse ser o esteio

quando penso nas filhas

que gostaria de estreitar muito embora


no farto seio 

a ladainha para lhes tocar leve a dor

nem sempre surta

a incineração da dor dou

por mim a pensar 

para elas e os amigos seremos como o pai de S.

em casa de quem também assim acampámos

vezes a ouvir vinis aspirações ressentidas de louros

dois dedos de azedume mais dois do tal whisky

outros tantos cubos de cântico

medida ao lado a água lisa

 

para dali sairmos mal

se separavam do céu os gomos do sol

e o rio se despia ainda às escuras

para depois da ressaca vociferarmos versos livres

sobre o poeta herdeiro que o futuro ilegitimara

e na verdade nos parecia bem mais para lá

do que para cá estávamos nós 

o gangue dos ladrões de livros

a malta da alegria induzida

cool cheia de complexos os tais arquipélagos e só

nos faltava cuspir o fogo que todos nossos poros nervos engoliam

novos

 

e penso em S. quando vir que já tem (terá?) 

Tenho a mesma idade que o meu pai quando

e haver de encontrar algo a que se agarrar

senão está tramado

mesmo que seja uma coisa pequena a da piscina

que seja o embaraço de então o gesto encovado no vago trajar

de passar-nos os livros com a dedicatória

 

Avisa-me quando achares que começo a parecer-me

sequer um bocado com ele ou isso ou o papel 

que nem chegou a deixar a irmã que foi a primeira 

num erro de cálculo entre a dor e a dose de neve a queimar

tão nova

na lamela de prata

que o pai de S. seguiu anos depois depois ultrapassando a janela

e tanto o sofrimento a jusante do amor

no farto seio

como se um chapão no vazio

 

que não sabemos o quê

que espécie

inventou os deuses e lhes deu a morte

novos

 

e já o texto vai longe da piscina verdosa dos peixes

da permacultura

da gozosa cópula

 

ou velhos que tacteemos 

um corte de corrente um choque que nos devolva

à primeira tresleitura

após o aluimento lá atrás a prancha e a pique

olá ainda

de lodo e de leite

aí estás

a amorosa

do farto seio

 

*

Mas não começámos sequer a encarar 

se se escreve para uma nostalgia a morte ou agora

 

à procura das grandes questões ou assentimentos

enleio empatia desvelos

afins

 

gostamos ainda de nos dirigir à beleza

a disfarçar o furo o halo o enxofrado bafo 

de um generation gap cada vez mais fosso

o futuro uma fritadeira

cavamos e cavamos

já nos assam os cabelos

de Sulamite

já a paisagem rutila motores fumam marés levantam

o preço a que repetimos amor

numa linguagem convertível em estatísticas

para tradução automática e o comércio 

das perguntas ao google

ainda que lhes gritemos

vamos juntas

será que iremos 

 

a fundo 

com nossas piccinas menores

a haver

e a voz delas distorcida

como num filme de Spielberg

a pedir o corte — 1.5

de emissões numa década lá atrás

bebés ainda há pouco o primeiro choro

a plenos pulmões e todos os poros convulsos de tão indevida

desvantagem no tempo 

a haver 

e por muito

impressionante então dizer

que fosse o nosso melhor

Monday, February 21, 2022

Branca

 

Já estavas tu a jogar ao chão

a toalha da vida e ela aparece

de trás, na mochila, à sorrelfa

pelas costas, ela todo um safanão

 

depois, quando a olhas a teu lado

chama-te puta de merda, quem manda

meteres-te à frente ó minha vaca do

caralho, abre arvoredos nos brancos

 

dos olhos, injeções de incêndio

álcool, nojo, cavalo e tu cedes —

Sabes que te alumia a violência

 

e te aviva o melindre e prossegues

tapando o sol mesmo não querendo

é privilégio a tua desistência.

Wednesday, February 16, 2022

Liguee Translator - il miglior fabbro

 "Não convencer o ser das coisas"

foi a tradução que me deu para The task of the poet is to unconceal the being of things.

Monday, January 31, 2022

My fair love

 

claro amor vinte anos no fundo sabes 

que sendo alto ainda o sol além as estrelas

supernovas rareiam e no escuro violável

há também a dança o tambor a assimetria

do poder do mal parecendo a dor equânime

 

claro amor vinte anos já sabes quase

tudo o que eu disse que gostaria de evitar

para ti noutra carta ao mesmo tempo logo

que a escrevia acho a pensar que era eu 

de antemão a avisar-te isto é a assimetria 

 

do poder das mães parecendo o amor excecional

claro amor vinte anos se calhar sabes melhor

do que eu pois se o conhecimento é cumulável

acaba por consumir muito consoante o ponto

de vista do trabalho ou do desejo o que te quero

 

assim comunicar feito o parêntesis do capital

e do estado em que encontras a propriedade

que é pouco comum para nem falar da família

do sul da justiça do clima assindical de nós que sinto

ainda isto cá dentro maior que o mundo a atmosfera

 

o mar a onda em que me habitaste e não sei 

se é fábula se banal claro amor vinte anos sabes 

por fim continuas a entrar

Thursday, January 13, 2022

Florbela


Vá assobie lá quanto o além-

tejo pode fazer por si se tanto

lonjura nojo erótico quebranto

cantou sempre lhe digo também

 

me embaraçou estranha fêmea

comadre eu cobarde que em desdém

lhe cato farpas dos sonetos sem

ousar louvar-lhe a febre a apneia

 

o querer a auto-morte aliviada 

antes lhe acuso tal papel de atriz

esbanjada por Visconti a que assisti

 

a afogar docemente a mão espal-

mada no nó górdio da cerviz

tensa aflita arfante quase igual

Sunday, January 02, 2022

NA FALTA DO MAR


Algo remove rumores dos ouvidos desta casa,

Pendura cortinas desventadas, espanta os espelhos

Até privar de substância os reflexos.

 

Algum som como moinhos que rangem e estacam

Na moagem da morte.

Uma ausência de ensurdecer, uma guinada.

 

Zune por este vale, pesa nesta montanha,

Aliena o gesto, empurra este lápis

Pelo grumoso nada de agora.

 

Assusta a louça com silêncio, dobra a roupa azeda,

Como as roupas do morto deixadas tal qual

O morto se apresentava à amada,

 

Incrédulo, aguardando ocupação.


Derek Walcott

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