1. As traduções envelhecem, isto é, a imortalidade de uma obra pode perder-se na sua tradução?
Havendo exceções, as traduções envelhecem, e é justamente por isso que garantem a imortalidade de uma obra – são precisas novas.
2. No momento de traduzir pensa no Leitor ou no Autor?
Traduzir é para mim a melhor das tarefas pois nela faço simultaneamente duas coisas, ler e escrever. Mais: escrevo o que leio. Portanto, penso no autor, sim, porque não o quero desgostar, e penso no leitor porque o primeiro leitor sou eu, mas principalmente acho que penso em tornar-me no texto que se está a fazer.
3. Há quem diga que traduzir é trair o autor, concorda?
Traduzir é uma excelente disciplina para ensinar a separar o amor da traição (que um amor grande preocupa-se, mas nem precisa de desculpar a traição).
4. Será o tradutor um co-autor de uma obra?
Não, a menos que seja o autor a querer.
5. Quando escreve um poema, pensa nele antes ou basta ligar a torneira e deixar a correr?
Para mim a metáfora é bizarra, mas julgo que a torneira antecede o poema, só que não corre, pinga. É preciso ouvi-la pingar e depois é difícil tratar do assunto.
6. Como é que se descobre que se é escritor?
Deve variar bastante. Mas a mim parece-me que tem muito a ver com a vontade de participar num universo de leitura.
7. O que é que a leva a traduzir uma obra? Há um objectivo pessoal ou um sentido de dever para com a comunidade?
Normalmente recebo encomendas e aceito-as quando acho que as posso terminar. Como diria a Alice: começa-se pelo princípio e acaba-se no fim.
8. Qual é a relação que podemos fazer entre a situação atual em que vivemos e o país das maravilhas?
Só nos saem duques e senas tristes.
9. Com que idade é que leu as Alices de Lewis Carroll pela primeira vez, e com que idade é que gostaria ler por uma última vez?
Li-a pela primeira vez com 22 ou 23 anos, quando estava a traduzir uma novelização do filme da Disney. Sobre a última vez, não sei. Ela insiste em meter-se onde e quando não é chamada, frequentemente não apetece nada voltar lá outra vez, dá luta – um bocadinho como aquelas histórias que temos mesmo de repetir, para ver se lhes conseguimos alterar o padrão, ou este a nós.
10. Qual é o contributo que acredita que as obras do Lewis Carrol tiveram para a criação artística do século XXI?
A literatura infantil. A ligação e a dissociação entre a linguagem e o visual. A possibilidade de haver raparigas heroínas. Greta Thunberg.
11. Gostaria de ver os seus trabalhos traduzidos? Se sim, em que língua e por quem?
Gostaria de ver traduções minhas para o máximo possível de línguas, o que me parece uma ambição natural de quem escreve. Tornei-me amiga de duas pessoas que traduzem poemas meus, pelas perguntas que me fazem: Odile Kennel (alemão), Martin Earl (inglês). Contribuíram muito para me ensinar que o resultado pode ser melhor quando se força a barreira do autor.
12. Se fosse um dos personagens do País das Maravilhas, qual seria?
A lagarta, partida, fugida.
13. Ler para quê, escrever porquê?
Para se experimentar drogas e contar como foram as viagens.
14. Se a Alice tivesse traduzido os livros do Lewis Carroll a história teria o mesmo significado?
Não, mas talvez desse uma boa história tentar apagar a miúda da fotografia.
15. O País das maravilhas é um lugar utópico ou distópico?
É o lugar para o disparate e para o poder – de bater o pé à rainha.
16. Qual é a sua opinião relativamente à criação artística para infância dos dias de hoje?
Não me sinto habilitada a falar sobre isso.
17. Como é que se traduzem palavras inventadas pelo Lewis Carroll?
Com ganas de traduzir uma tradução e refazer a etimologia.
[a propósito de uma encarnação da Alice para 2021]
2 comments:
Parece um poema. Será? Pode ser.
Te garanto que não é um poema, camarada :)
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