O ano despende-se,
Já zune o fio que retesa,
Sobra hoje uma última hora,
E na poeira do túmulo goteja
O tempo vivo de outrora.
Eu espero silente.
O escuro emudece!
Ainda o olho se te levanta?
Nestes muros, Tempo, num convulso
Termo vibras. Eu tremo; contanto
Apraza que tua hora última
Sozinha atravesse.
Tudo somado,
O que pensei e pus em marcha,
O que me veio da cabeça e coração,
Se reflete no relógio grave
No portão do céu. Oh! triunfo vão!
Plano a metade!
Como o vento range
Contra a vidraça! Sim será
Levado o ano pela procela
Alada, nem um hausto pairará
Sombrio sob o céu de estrelas.
Ó, criança errante
Não viste que se abria
Uma cruz no teu peito com pesar
Que silvava em segredo a cada dia,
Onde pedra sobre pedra devagar
Se partia, se a respiração fria
A vara firme exauria?
Já a minha almontolia
Se esvai e o pavio ávido
Lambe o fio do óleo no final.
Assim é fumada a minha vida?
Abre-se-me a pedra sepulcral
Quieta e sombria.
Na roda girando
Quem desenrola o correr do ano?
Parte-se-me a vida, eu já sabia
Há muito e ainda o fogo insano
Do coração vãmente ardia!
Estou suando
De húmido terror
Na testa e nas mãos. – Baço nevoeiro,
Nem uma estrela fende a aurora.
E não será o Amor, esse cruzeiro
Adverso a ti na luz umbrosa
Que mais te apavora?
Escutas, este cicio?
E repete? Elegia de assombro!
O sino tange a boca ritual,
Senhor, sobre os joelhos tombo:
Apiedai-vos de minha hora final.
O ano se cumpriu.
Annette von Droste-Hülshoff
1839? Do ciclo Das geistliche Jahr (O ano espiritual), publicado postumamente em 1851, ver aqui: https://norberto42.wordpress.com/2014/03/12/droste-hulshoff-am-letzten-tage-des-jahres-analyse/
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