Thursday, December 31, 2020

No Último Dia do Ano

 

O ano despende-se,

Já zune o fio que retesa,

Sobra hoje uma última hora,

E na poeira do túmulo goteja

O tempo vivo de outrora.

Eu espero silente.

 

O escuro emudece!

Ainda o olho se te levanta?

Nestes muros, Tempo, num convulso

Termo vibras. Eu tremo; contanto

Apraza que tua hora última

Sozinha atravesse.

 

Tudo somado,

O que pensei e pus em marcha,

O que me veio da cabeça e coração,

Se reflete no relógio grave

No portão do céu. Oh! triunfo vão!

Plano a metade!

 

Como o vento range

Contra a vidraça! Sim será

Levado o ano pela procela

Alada, nem um hausto pairará

Sombrio sob o céu de estrelas.

Ó, criança errante

 

Não viste que se abria

Uma cruz no teu peito com pesar

Que silvava em segredo a cada dia,

Onde pedra sobre pedra devagar

Se partia, se a respiração fria

A vara firme exauria?

 

Já a minha almontolia

Se esvai e o pavio ávido

Lambe o fio do óleo no final.

Assim é fumada a minha vida?

Abre-se-me a pedra sepulcral

Quieta e sombria.

 

Na roda girando

Quem desenrola o correr do ano?

Parte-se-me a vida, eu já sabia

Há muito e ainda o fogo insano

Do coração vãmente ardia!

Estou suando

 

De húmido terror

Na testa e nas mãos. – Baço nevoeiro,

Nem uma estrela fende a aurora.

E não será o Amor, esse cruzeiro

Adverso a ti na luz umbrosa

Que mais te apavora?

 

Escutas, este cicio?

E repete? Elegia de assombro!

O sino tange a boca ritual,

Senhor, sobre os joelhos tombo:

Apiedai-vos de minha hora final.

O ano se cumpriu.


 Annette von Droste-Hülshoff

 

1839? Do ciclo Das geistliche Jahr (O ano espiritual), publicado postumamente em 1851, ver aqui: https://norberto42.wordpress.com/2014/03/12/droste-hulshoff-am-letzten-tage-des-jahres-analyse/

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